CULTURA ARTES

Monica Rischbieter e o drama como missão

A produtora cultural e de cinema fala sobre o desafio de retornar ao Teatro Guaíra - ela já o dirigiu entre 1997 e 2000

Passei pela porta que dá acesso à sala da presidência do Centro Cultural Teatro Guaíra (CCTG) certa de que seria atendida por alguém arrogante em um cenário suntuoso. Quase me decepcionei. No centro da sala de chão revestido por tacos, a comprida mesa de reuniões estava vazia. Na parede, um cartaz festejando timidamente os 40 anos, completados em dezembro passado, do amado cartão-postal curitibano.

Só após alguns segundos é que reparei na ruiva esguia recolhida em uma mesinha no canto direto da sala. Monica Rischbieter, a diretora-presidente do CCTG, não era nada do que eu pensava. Com os cabelos puxados para trás num coque improvisado para combater o calor daquela tarde de verão, Monica se apresentou animada.

Ela foi secretária de Estado da Cultura, já dirigiu o CCTG entre 1997 e 2000, e voltou em 2011 com a dura missão de resolver as mazelas do lugar e lhe devolver o orgulho de ser um endereço de repercussão nacional, abrigando espetáculos de muitos perfis. Nesta entrevista, ela conta que já teve algumas conquistas. Publicamente conhecida como alguém que “não é de entregar os pontos”, ela ainda tem pela frente grandes desafios.

Restaurar o orgulho de um dos maiores complexos artístico-culturais da América Latina parece tarefa fácil para essa produtora cultural e de cinema, filha de Karlos (falecido em 2013) e Fanchette Rischbieter, dois nomes notáveis e fortemente associados à vida política e cultural paranaense do século 20.  Mas não é bem assim.  Enquanto a Orquestra Sinfônica do Paraná e o pessoal da Oficina de Música de Curitiba ensaiavam bem aos nossos ouvidos, ela assumiu que este ano terá de deixar de circular somente pelos incontáveis corredores do prédio para sair em busca de mais parceiros do lado de fora do Guaíra.

Para isso, terá de usar toda sua irreverência e criatividade – qualidades que foram logo incentivadas em criança por uma educadora bem conhecida dos curitibanos: Vera Miraglia, a vanguardista fundadora da Escola Anjo da Guarda, a quem Monica chama carinhosamente de “tia Vera”. “É minha segunda vez aqui. Fiquei 11 anos fora e senti falta do teatro todos os dias. Sofro só de pensar que vou ter que ir embora um dia”, completa ela dando o tom do que pode vir pela frente na busca de um Guaíra melhor. “Sou um pouco ansiosa e estar aqui reforça essa qualidade. Mas, vamos falar a verdade, aqui é lugar para isso. Aqui é o lugar para o drama”, define Monica, confiante.

Qual foi o maior desafio durante a primeira etapa das reformas no Teatro Guaíra?
No ano em que entrei conseguimos o dinheiro do governo para fazer os projetos de restauro: R$ 5 milhões. Mas logo veio a crise e a quantia nem chegou a entrar no caixa. Enfim, não era prioridade. Só que já tínhamos feito licitações. Então o governador conversou com a Renault, que fez um contrato de doação para o Guaíra. A única contrapartida que a Renault teve foi um camarote. A empresa pagou R$ 2,8 milhões pelo restauro das poltronas, diretamente para o fornecedor.

Por que é tão difícil atrair empresas?
Ir atrás de recursos e parceria sempre foi uma coisa muito difícil. Acho que na maioria das vezes o empresário pensa: “Ora, quem tem de cuidar disso é o governo”. Talvez essa abertura da Renault incentive outras empresas. Mas não tenho dúvidas de que este ano terei que sair do teatro passando o chapéu em busca de parceiros. É hora de a sociedade civil experimentar isso [investimento em cultura]. São Paulo tem essa cultura do mecenas, não é? O Paraná não tem. Por isso vou tentar montar este ano uma associação de amigos do Teatro Guaíra.

E o rio Ivo, que passa por baixo do Guaíra e espalha cheio ruim pelo teatro?
Logo que entrei estávamos no auge do cheiro ruim. Conseguimos melhorar a situação com a ajuda da Sanepar, mas vamos dar uma solução definitiva.

Não podemos negar que a relação afetiva dos curitibanos com o Guaíra foi diminuindo ao longo dos anos devido à deterioração e à abertura de outros teatros. Você está conseguindo resgatar essa relação?
Em dezembro, quando entregamos o teatro com as poltronas, cortinas e carpete reformados, as pessoas me cumprimentavam na rua, me abraçavam no supermercado. O Teatro Guaíra tem uma importância fundamental para a cultura do povo curitibano. Apesar das condições técnicas impecáveis, enfrentou concorrência pela primeira vez quando o Teatro Positivou surgiu.  Mas ainda tem gente que diz “só faço Guaíra”. Porque aqui há condição acústica e técnica que pouquíssimos teatros no Brasil têm.

Então ainda tem a vontade dos artistas de estarem aqui?
Isso não mudou. O Lulu Santos, por exemplo, já disse que isso aqui é a joia da coroa.


O Teatro Guaíra já teve seu auge?
Teve. Foi na época do Ney Braga [governador 1970-1982], quando trazia todos os grandes espetáculos. Houve um tempo em que o Teatro Guaíra comprava os espetáculos. Hoje isso não acontece mais, até porque o dinheiro público não está aí para ser arriscado, e quem pauta o Teatro Guaíra é o mercado. Acho que às vezes as pessoas esperam do governo coisas que não acontecem e ficam desanimadas.

Como é o dia a dia de trabalho num lugar onde circulam tantas pessoas com ideias e metas culturais diferentes?
O que senti logo que entrei é que os funcionários estavam meio desanimados. Mas essa reforma trouxe ânimo ao ambiente. Aqui existe uma condição que ajuda a trabalhar: todos têm amor pelo teatro, todos são dramáticos. O drama faz parte da jornada.

Quais são os próximos passos?
Lembro que o Teatro Guaíra era acolhedor. Tinha uma cantina aqui dentro onde a classe artística se encontrava. Ary Fontoura estava sempre aqui, outros atores também… Meu sonho é fazer essas reformas e licitar um café superbacana. Um teatro precisa de carinho.

E quanto à Orquestra Sinfônica do Paraná e o Balé Teatro Guaíra?
A alma do Teatro Guaíra é o balé [a escola, o corpo de baile e o G2, grupo formado por bailarinos oriundos do Balé Teatro Guaíra]. Eles têm que estar aqui dentro. Estamos trabalhando para acolhê-los melhor. A Orquestra, por exemplo, está no palco todos os dias das 8h20 às 12h. Imagine… Se eles forem embora daqui, eu vou junto – porque, daí, vou fazer o quê? Eu cuido das reformas, mas na verdade o dia a dia da gente aqui é basicamente a orquestra e o balé.


Qual sua avaliação sobre a produção cultural paranaense contemporânea?
Temos gente boa. O último Gralha Azul [premiação do teatro paranaense foi superbacana. Mas existe uma linha contemporânea que não se importa com o público e isso me incomoda um pouco. Acho que é possível experimentar, mas temos um compromisso com o público. A lei municipal pede contrapartida de 36 apresentações. Com isso, o grupo se apresenta várias vezes para ninguém. Imagine, 36 vezes aqui? Nem a Fernanda Montenegro consegue. São 500 lugares, então, 18 mil espectadores. Antes das leis, as pessoas envolvidas iam atrás do necessário e o que pagava a produção era o público. Hoje, nesse sistema, o público fica menos importante.

Atualmente não é difícil trazer essa geração que vive online para o teatro?
No celular você tem conteúdos de minutos. Como colocar um jovenzinho assistindo a um concerto que dura duas horas? Não sei como vai ser. Tivemos este ano agenda cheia com muito sertanejo e stand-up comedy, que eles gostam… Mas tivemos um público melhor que nos últimos anos com a Orquestra Sinfônica que, aliás, vai escolher maestro novo este ano. Estamos animados. E, no balé Cinderela, tivemos cinco sessões cheias.

Qual seu lugar preferido no Teatro Guaíra?
Primeiro, o palco vazio. Depois, a plateia com as cadeiras vermelhas. Quando olho aquela imensidão no vazio me dá um arrepio.

Você tem um ídolo?
O Quino, criador da Mafalda. Tenho Mafalda pela casa inteira. As coisas dela sobre a Escola são as mais incríveis.

 

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