Em busca de uma Curitiba mais humana: as transformações que já estão acontecendo
Curitiba é reconhecida dentro e fora do Brasil como modelo em mobilidade e urbanismo. Mas as ações e projetos que a colocaram no mapa têm mais de 30 anos e, já há algum tempo, é preciso repensar a cidade para que ela atenda às necessidades de seus atuais e futuros moradores. De acordo com arquitetos e urbanistas, um dos grandes objetivos é que Curitiba volte a ser “mais humana”. “Ela deve valorizar as pessoas, no sentido coletivo, não individual: calçadas e ruas mais seguras, acessíveis, construções que se relacionem da melhor maneira com a cidade”, resume o sócio do escritório Arquea Arquitetos, Guilherme Figueiredo. Para isso, é preciso promover mudanças em diversos aspectos que compõem a capital paranaense, além de educar as pessoas para que saibam valorizar e usufruir dessas alterações. Conheça algumas das principais transformações a seguir.
Ocupação e diversificação de uso do Centro
Ainda hoje, o Centro é uma área de serviços e comércios com grande circulação de pessoas durante o dia. Porém, é considerado mais degradado do que antigamente e, à noite, quem reina é a insegurança. “É preciso diversificar o uso para que tenha atividades à noite, aumentando a segurança”, diz o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Paraná (CAU/PR), Jeferson Dantas Navolar. Isso também significa levar à área comércios vicinais (padarias, açougues, farmácias, etc., de uso imediato e cotidiano, vistos como prolongamentos do uso residencial). Assim, a tendência é que a área se torne mais interessante para potenciais moradores.
Ocupação das ruas
Há alguns anos, existe uma movimentação – que ainda encontra resistência – para reocupar as ruas, seja pela realização de eventos em espaços públicos ou pelo hábito de frequentar bares de regiões como a Trajano Reis, a Vicente Machado e, mais recentemente, a Cel. Dulcídio. Ainda assim, há problemas de infraestrutura a serem resolvidos. “Falta qualidade nas calçadas, locais onde as pessoas possam se sentar”, exemplifica um dos sócios do Arquea Arquitetos, Bernardo Richter. Para o presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), Reginaldo Reinert, faltam também locais apropriados para crianças. “Para mim, a presença de crianças está ligada à segurança. Precisamos recompor a cidade para que elas possam voltar a habitá-la”, diz.
Integração modal
A atual situação relacionada ao transporte e à mobilidade em Curitiba é consequência da manutenção de um sistema que valorizou primeiro o transporte coletivo via ônibus e depois o transporte individual. “É preciso priorizar o transporte coletivo de passageiros. Ao mesmo tempo, precisamos de um projeto de mobilidade urbana que leve em conta todos os modais”, avalia o professor de arquitetura e urbanismo da PUCPR Carlos Hardt. Com isso, os carros perdem seus “privilégios”, passando a ser apenas um dos componentes de um sistema multimodal. Ao mesmo tempo, é necessário possibilitar às pessoas que utilizem um, dois ou mais modais para percorrer determinado trajeto, o que demanda estrutura (bicicletários em terminais e estações-tubo importantes, por exemplo) e englobar inclusive o transporte particular de passageiros por aplicativos.
Valorização das características dos bairros e descentralização
Com planejamento urbano e projetos arquitetônicos cada vez mais genéricos, a cidade corre o risco de não explorar as potencialidades dos bairros e regionais ou não valorizar características desses locais. Um exemplo é o bairro Boqueirão, onde está localizado o zoológico, além de outros parques e pontos que atraem movimento. “É possível transformá-lo numa regional turística”, avalia o presidente do Ippuc. Para isso, é necessário enxergar além do estereótipo de “bairro de periferia”. Jeferson Dantas Novalar afirma que há “áreas que têm tendência a edificações maiores e menores”: “É preciso atender os moradores desses locais de forma personalizada, e não só no que diz respeito ao desenho, mas também ao uso. Quantos arquitetos levam em consideração a quantidade de árvores que há numa quadra ou região quando fazem um projeto? E quantos, olhando para isso, incluem vegetação no projeto [para modificar positivamente aquela quadra]?”, questiona.
Priorização da qualidade
É comum que o custo de uma obra pública norteie a decisão com relação ao projeto e à execução dessa obra. Com isso, a qualidade pode ficar comprometida. “A definição do espaço público deve ocorrer pela qualidade. O mais barato nem sempre é o melhor”, avalia o presidente do CAU/PR. O mesmo vale, segundo Hardt, para habitações populares. “A qualidade dos projetos é inferior à daqueles das décadas de 1960 e 1970 e isso é um problema gravíssimo. E eles são aprovados pela financiadora para construção em várias cidades, sem que haja qualquer diversificação relacionada ao local onde serão construídos”, critica.
*Matéria publicada originalmente por Vivian Faria na edição 204 da revista TOPVIEW.