ESTILO CULTURA

Os povos indígenas, a COP26 e a arquitetura

Precisamos discutir a capacidade de diminuir e até mesmo zerar a emissão de gases que prejudicam a camada de ozônio, pois, em poucos anos podemos começar a discussão concreta do fim da existência humana. Este é um dos assuntos mais relacionados na COP26, 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que aconteceu em Glasgow, Escócia, Reino Unido, de 31 de outubro e 12 de novembro de 2021.

Esta conferência tem impacto global no assunto, mas também podemos aprender e devemos nos direcionar de forma local para que ações a favor do tema sejam concretas, somando pequenas e repetidas atitudes aprendidas diariamente em nosso convívio enquanto seres humanos.

É o que os povos indígenas têm a nos ensinar. 

Infelizmente, eles já sofreram por centenas de anos a eliminação de algumas de suas tribos, porém, enraízam em suas tradições respostas para manter viva sua cultura.

Por isso, quando se ouve notícias de exemplos de reuniões entre os povos indígenas como em um grande evento onde também se convidam não indígenas para participar a fim de levar os aprendizados e mensagens além dos acontecimentos realizados por ali, a esperança de que podemos e devemos fazer algo para salvar o meio ambiente e nós mesmos aumenta.

É o que reverbera o grande encontro na Reserva do Xingu, em Mato Grosso, todos os anos, quando mais de 2000 mil índios se encontram na festa Kuarup, em busca da preservação da cultura indígena para que não seja marginalizada ou até mesmo esquecida entre seus povos e entre todos que possam admirá-la e conservá-la como diversidade, principalmente brasileira.

Esta preservação cultural está diretamente ligada à preservação do meio ambiente, já que sem áreas preservadas não há povos indígenas culturalmente locais.

(Foto: Heryka Toledo)

Uma vivência real para poucos

Quando descobri que o arquiteto Wilian Toledo, de Curitiba, passou alguns dias em 2021 na Reserva do Xingu na festa Kuarup, pela terceira vez, o convidei para uma conversa que vem ilustrar nosso encontro nesta matéria, aproveitando para divulgar fotos inéditas desta experiência registrada por Heryka Toledo.

Logo de início, Wilian bem destacou que o patrimônio imaterial e a cultura dos indígenas precisam ser preservados, e para isso, o grande encontro serve de união entre os diversos povos da Reserva do Xingu para uma mesma direção.

De tão importante e de forma consciente da comunidade indígena, politicamente, a cada encontro eles convidam não-indígenas para participar, em busca da divulgação desta consciência e força entre todos, já que eles sabem que para se manterem vivos é necessária a convivência mútua.

A cada visita ao Xingu não há como não voltar de fato com um olhar renovado, independentemente de quantas visitas o faça ou qual seja os seus intervalos. E, pensando que a cultura é um conceito amplo que representa o conjunto de tradições, crenças e costumes, penso que a simplicidade de tudo e em tudo é tamanha, que talvez seja esta paradoxalmente a mais corriqueira e sempre a mais surpreendente de todo o aprendizado. É um “reset” a qualquer pessoa, e ali, há a possibilidade, aos olhares mais atentos, de realmente perceber que perante o mundo cada vez mais complexo, a simplicidade é indispensável para percorrer com sucesso o intrincado caminho da vida“, relata Wilian ao ser perguntado sobre sua experiência relacionada à defesa das mudanças climáticas.

(Foto: Heryka Toledo)

A cultura indígena é formada pelo conjunto de valores, leis, conhecimentos, crenças, costumes e arte, como em todos os povos. A particularidade que vale destacar, segundo Wilian, é que não temos uma única cultura indígena no Brasil, mas uma diversidade cultural representada por civilizações autônomas com modos de pensar e agir únicos. Como exemplo, temos apenas dentro do perímetro da Reserva Nacional do Xingu, dezoito etnias distintas e quatro línguas sendo faladas, que se unem anualmente na maior festa entre eles.

A possibilidade de estar imerso em uma aldeia dentro de um lugar tão pulsante como o Xingu é um privilégio, que, infelizmente, não está acessível a todos. Porém, mais importante do que vivenciar, é começarmos a nos educar para que possamos ter mais clareza de fato sobre aspectos culturais e suas importâncias para nossa sociedade como um todo“, simboliza Wilian.

Para quem quer aprender mais sobre esta cultura, ele traz como sugestões o filme “Xingu”, dirigido por Carlos Hamburger, que conta a chegada dos irmãos Villas-Bôas ao que hoje temos demarcado como Xingú. Outra sugestão, para leitura, é o livro “Parque Indígena do Xingu: Saúde, cultura e História”, de Carmem Junqueira, e o livro de Marco Hailer, “Descobrindo o Xingu”.

(Foto: Heryka Toledo)

A neutralidade do CO2 e a responsabilidade além das reservas

Em nossa conversa, Wilian comentou sobre a neutralidade do CO2, a manutenção dos mananciais e a consciência do consumo como ações diárias que impactam o que estamos abordando, temas que são conscientes entre os indígenas e que também estavam latentes na COP26, realizada em 2021.

“No ritmo em que vivemos, com uma capacidade imensurável de produção de resíduos (acho que todos nós em algum momento em nosso cotidiano de pedir um delivery já notamos a quantidade escabrosa de papel, plásticos e sacolas que vêm em uma única refeição) e igualmente admirável capacidade de consumir, já ficou claro que a conta corre o risco de não fechar no balancete das próximas décadas“, alerta Wilian.

Não é por acaso que vemos países de primeiro mundo e que atuam de forma responsável lutando para reduções expressivas de emissões de gases, geração de energias com matrizes mais amigáveis ao meio ambiente ou debatendo projetos de como tratar melhor os seus resíduos.

Esta realidade, de alguma forma, nos coloca na posição de repensarmos o nosso status quo, de forma que possamos fazer escolhas mais inteligentes. 

E estas escolhas vão de atitudes das mais democráticas as mais elaboradas, o importante é tornar esse olhar cada vez mais atento e doutrinado a práticas de consumo consciente.

Recentemente, Wilian conta que ouviu um relato de uma cliente que na escola em que ela leciona é incentivado a pesquisa de geração de CO2 dentro de um ciclo de produção de determinados produtos, o que já gerou entre os alunos a consciência de menor consumo, locavorismo – que é o incentivo ao consumo local, e até mesmo a escolha de destino de férias mais próximos, evitando menos emissão de CO2 com o transporte.

Isso fez com que o escritório Wilian Toledo Arquitetos Associados começasse a se questionar também sobre o assunto, deparando com a curiosidade de mapear o ciclo de geração de CO2 nos seus processos de arquitetura. 

Hoje, o escritório atingiu a certificação de neutralidade de CO2 em suas atividades, recebendo o título de escritório Carbono Neutro, que significa que eles calculam o total das emissões, reduzem onde é possível e balanceiam o restante das emissões através da compensação. Uma das maneiras de compensar está na compra de créditos de carbono em mercados voluntários, ou, ainda, na recuperação de áreas degradadas via arranjos florestais.

(Foto: Heryka Toledo)

A influência da arquitetura para o carbono zero

Segundo Wilian, e sua experiência de arquiteto, dentro dos escritórios de arquitetura todos os projetos podem ser mais sustentáveis, desde que o profissional leve a informação como educação ao cliente final, afirmando que nem sempre o custo é o único ponto a ser analisado.

Para ele, para que um projeto possa neutralizar ainda mais a emissão de carbono é necessário algumas fases:

  • A concepção de como o projeto será alocado no terreno, analisando se ele irá respeitar massas verdes ou favorecer a regeneração das mesmas, e se vai proporcionar espaços de solo capazes de drenar as águas de chuva;
  • A materialidade do projeto, que leva para a escolha do processo construtivo, os materiais envolvidos, seja na arquitetura ou no seu interior, tudo sendo passível de ser pensado de forma a se ter escolhas mais benéficas para as questões ambientais;
  • O simples fato de pensar de forma mais racional, tentando reduzir os custos diretos, a uma execução com deslocamento de insumos, redução do desperdício de materiais, reaproveitamento de produtos, materiais ou móveis;
  • A escolha do mobiliário, que vai além do custo da compra, sendo necessária a análise da matéria-prima (madeira branca ou madeira de lei? É certificada? Espuma tem qualidade para gerar durabilidade ao móvel? O tecido tem resistência ao sol para que não desbote facilmente? É com a trama ideal para evitar rasgos no uso cotidiano?) Além, claro, das questões mais subjetivas como conforto ou estética;
  • E as respostas sobre os insumos utilizados em todo o âmbito da obra, sabendo responder sobre a estrutura em madeira que pode favorecer ou não com o desmatamento ilegal, a espuma, que por ser um material derivado de petróleo, tem um custo ambiental enorme, e a indústria de tecidos, que hoje estima-se emitir de 8% a 10% dos gases responsável pelo efeito estufa. 

Exemplos que são capazes de preencher o sentido de consumo consciente e o poder de escolha que todos nós temos nas mãos, desde que consigamos investir em informações e direcionamentos corretos ao objetivo traçado: de preservar nosso meio-ambiente acima de qualquer custo.

Resultado final

O objetivo do encontro neste texto foi relacionar os povos indígenas, a COP26 e a arquitetura, em um exemplo real de escritório e profissional que encontrou respostas na consciência de que todos podemos e devemos nos responsabilizar com o cuidado às mudanças climáticas, não dependendo somente de grandes ações ou decisões mundiais e governamentais.

A consciência dos indígenas ao se reunirem em uma grande festa para manter sua cultura, se liga diretamente na preservação do espaço, dos aprendizados, dos costumes, que, ligados à arquitetura, que projeta novas formas de (con)viver, estuda e desenvolve soluções relativamente simples, possibilitando formas de (re)começar por resgatar e manter nossas origens e costumes, tendo consciência de que precisamos de todos os povos para que juntos possamos realizar a preservação necessária para a vida humana na Terra neutra em carbono zero, pelo menos.

Conheça mais sobre seus projetos em instagram.com/wiliantoledo 

(Foto: Heryka Toledo)

Deixe um comentário