Stefan Geiger, o maestro alemão da Sinfônica
O que faz um maestro, exatamente? Mantém as dezenas de instrumentistas de uma orquestra tocando no tempo certo, do começo ao fim? Organiza os ensaios e dá vida às partituras, do jeito que os compositores pensaram há 100, 200 anos atrás?
Tudo isso é parte da resposta, mas há sempre algo de mágico no final, conta Stefan Geiger — há dois anos o regente titular da Orquestra Sinfônica do Paraná (OSP). Para ele, é um pouco como o trabalho de um técnico de futebol (uma comparação talvez um tanto insensível por aqui, vinda de um maestro alemão): pouca gente sabe explicar como alguém que não entra em campo é o responsável pela vitória ou pela derrota do time. No caso de uma orquestra, como o único que não toca uma nota sequer pode ser responsabilizado pelos momentos sublimes de um concerto, apenas com gestos e movimentos de um bastão.
Geiger defende que um regente não comanda em causa própria, e sim em nome das ideias do compositor. O maestro tampouco é a estrela do palco ou uma figura grosseira e autoritária nos ensaios. Seu papel é criar uma atmosfera em que os músicos deem o seu melhor e criem a melhor experiência para o público — ou “voem juntos como uma revoada de pássaros”, para citar outra analogia que gosta de fazer.
“Não acho que o regente, ou o maestro, seja algo sagrado. Pelo contrário. Meu jeito de pensar é mais no sentido de tornar o processo de trabalho claro. Talvez esse seja um pouco o jeito alemão”, refletiu, em uma entrevista em sua sala quase vazia no Teatro Guaíra, em meados de abril.
Foi esse estilo que levou o maestro a ser escolhido como regente titular e diretor artístico pelos próprios músicos da OSP, em 2015. A orquestra havia passado dois anos sem alguém no posto, se apresentando sob a batuta de convidados de estilos e origens diferentes. Geiger, um maestro relativamente jovem entre os outros “candidatos” (ele é nascido em 1967), era visto como um músico talentoso, animado e dono de uma visão moderna sobre as coisas. Sua experiência como trombonista na Orquestra NDR Elbphilharmonie, de Hamburgo, que integrava desde 1991, também contou (é sempre interessante um maestro com experiência nas fileiras de instrumentistas). O alemão confirmou seu entusiasmo pelo trabalho e aceitou o convite. “Foi o destino. Eu não planejava vir”, disse.
Não foi uma escolha simples, embora a oferta do Teatro Guaíra garantisse a flexibilidade que precisaria para continuar com seus outros trabalhos. Afinal, o novo posto exigiria que ele passasse cerca de um quarto do ano em Curitiba. O maestro disse que custou um pouco a conseguir o apoio da família — Geiger tem três filhos, de 18, 13 e 11 anos, em Hamburgo, onde mora. “Minha esposa ficou sem falar comigo por dois dias”, contou.
Mas ele já havia regido a OSP outras vezes, como convidado, e tinha gostado da cidade. “Me senti em casa”, contou o regente, que é natural de uma pequena cidade no sul da Alemanha. “Gosto de Curitiba e seu tempo maluco, em que você nunca sabe se precisa de um casaco ou se sai de camiseta de manhã. Nunca estive em um lugar com um tempo tão louco quanto Curitiba”, brinca, antes de soltar uma de suas muitas gargalhadas altas e agudas.
Desafios
O regente chegou a Curitiba instigado. Diz que quer tornar a OSP uma das melhores orquestras do país, e acha que está no caminho certo. Entre outras medidas, aumentou a quantidade de ensaios e fez questão de um programa impresso para a temporada de 2018, coisa que o Teatro Guaíra não fazia desde 2011, porque dificilmente conseguia manter a programação (a falta de dinheiro foi a questão mais foi ouvida nos últimos anos). “Agora, com esse homem, um alemão, a gente tem que fazer”, brincou a diretora-presidente do Guaíra, Monica Rischbieter, de passagem pela sala do maestro.
Geiger veio ciente das principais dificuldades do teatro. “Minha Orquestra Jovem em Bremen não tem um grande orçamento, então estou acostumado a fazer as maiores coisas possíveis com pouco dinheiro”, disse. “Sempre encontramos um jeito de trazer as ideias para o público.”
É verdade que o maestro não contava com a possibilidade de o antigo problema dos músicos em cargos de comissão no Guaíra — uma contratação considerada inconstitucional — estourar no seu colo. Em 2017, quase 30 integrantes contratados nesse modelo perderam o posto depois de uma decisão judicial. O teatro precisou fazer audições para preencher as vagas de acordo com a lei, e poucos dos antigos músicos conseguiram retornar — um episódio traumático para a orquestra, que interrompeu a “lua de mel” entre o grupo e o novo maestro. “Isso me deixou muito triste”, confessou Geiger, sem querer entrar muito no assunto. “Tivemos uma boa temporada, e daí isso caiu no meu pé — algo que poderia ter sido resolvido 15 anos antes. Não reclamo, é só um fato. Mas tive que me envolver”, contou.
Geiger disse que a temporada de 2018 é a primeira que realmente acabou conseguindo fazer. Sua primeira à frente da OSP, em 2016, não foi totalmente planejada por ele, e a de 2017 acabou sendo destruída pelo imbróglio dos músicos comissionados.
“Devo reconhecer que estou um tanto orgulhoso deste programa”, disse, folheando a programação que a diretora-presidente havia acabado de levar à sua mesa. O maestro conseguiu reunir algumas das coisas que mais gosta de fazer, como os concertos-filme, em que a orquestra faz a trilha sonora ao vivo para um filme mudo — neste ano, foi Luzes da Cidade (1931), de Charlie Chaplin, em abril. A temporada ainda terá música contemporânea, lembrará alguns centenários e contará com solistas internacionais.
Geiger diz que uma das coisas que mais chamou sua atenção em Curitiba foi a média jovem do público que vai aos concertos. “Isso é ótimo para um regente alemão porque, na Alemanha, na maioria das vezes, você tem plateias com uma média mais velha. Na verdade, as pessoas estão preocupadas com isso e pensam em como atrair os mais jovens”, explicou. “Aqui, a média é bem jovem. E é divertido, porque você tem uma reação mais direta do que na Europa. As pessoas são muito entusiasmadas, e é ótimo. Eu gosto!”
Para o maestro, a ideia ainda persistente de que a música clássica é para poucos e não se conecta com o público de hoje está superada. “Comparada ao futebol, sim. Mas não acho que não estamos ligados à sociedade — acho que é o oposto. Realmente sinto que as pessoas querem ir a concertos. Elas não ficam mais felizes em apenas sentar na frente do laptop e assistir ao YouTube. As pessoas não estão satisfeitas em sentar no sofá em casa, sozinhas, e assistir a um DVD do Chaplin. Elas querem compartilhar, fazer parte de uma comunidade que está apresentando e assistindo o filme”, disse.
A conexão da música com o público de hoje e com as questões do nosso tempo se baseia naquilo que nos faz humanos, reflete o maestro. É assim quando Gustav Mahler (1860–1911) traduz sentimentos acerca da morte em sua Nona Sinfonia, ou quando Prokofiev (1891–1953) descreve a paixão entre Romeu e Julieta. “As razões para se criar e tocar a música são atemporais”, refletiu. “Não há diferença entre um casal loucamente apaixonado hoje em dia e o que sentiam Romeu e Julieta. Essa é a conexão eterna entre a música e o público.”