ESTILO CULTURA

Será o amor sexualmente transmissível?

Cris Lira é mestre em Literatura Brasileira e estudante de doutorado na Universidade da Geórgia, nos EUA, onde dá aulas de Português

Quando eu era professora de Língua Portuguesa no Brasil, um hábito que desenvolvi na difícil, porém prazerosa, tarefa de formar leitores, foi o de perguntar aos alunos, cotidianamente: “Onde você está?”. No início, causava estranheza. Depois de um tempo, na ânsia de se estar em qualquer lugar, os alunos começaram a “entrar na dança” e a vivenciar a experiência de, por meio da leitura, estar em outro lugar. Recentemente, uma aluna do passado me devolveu a pergunta pelo Facebook e respondi: “Estou no Pará”.

Por lá, explorei mentes diferentes, visitei o corpo e a alma de uma Lavínia partida ao meio, bem como o íntimo de Cauby, “assim mesmo como o cantor”. Estou falando do livro Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios, de Marçal Aquino. Embora não seja um livro recente, data de 2005, voltou às prateleiras com força em 2012 em decorrência do filme homônimo estrelado por Camila Pitanga.

O livro, que incluo entre os mais delicados que li em 2013, conta, entre várias histórias banais e personagens comuns, a saga de Lavínia pelo ponto de vista do apaixonado Cauby. Ao mesmo tempo, trabalha questões brasileiras como a religiosidade desenfreada, além dos garimpos nessa região esquecida do Brasil, voltando-se, porém, para o mais intrínseco do humano, a própria confusão do amar e ser amado. Ação, aliás, que se dá como ao olhar para um espelho estilhaçado. Cauby ama Lavínia e é amado por ela que é descrita quase sempre como duas, mas que sabemos, depois, é, na verdade, muitas.

Vê-se, aqui, a receita para um livro interessante, à qual se adiciona a maneira peculiar de como a fotografia é usada para sustentar as metáforas que se apresentam pela narrativa, garantindo uma paisagem móvel e viva dentro da história. O diálogo com o texto do filósofo Benjamin Schianberg – a ficção dentro da ficção, haja vista que é uma personagem de Aquino também – dá outra dimensão à obra, permitindo que as observações de Schianberg sejam, pela aplicabilidade à vida errante de Cauby, confirmadas e confrontadas. Ao final, porém, vemos que não há Bíblia quando a matéria é o amor. A vida, assim como o ato de amar, é algo que se faz vivendo e amando.

Se o livro abre com a impactante epígrafe de que “o amor é sexualmente transmissível”, vale a pena devorá-lo para concluir que, talvez seja transmissível, mas é vírus que se mantém vivo por outros barulhos, que não só os do amanhecer/anoitecer dos corpos.

“Não adianta explicar. Você não vai entender. Às vezes, como num sonho, vejo o dia da minha morte. (…) Embora a mulher não apareça, sei que é por causa dela que estão me matando. E tenho tempo de saber que não me deixa infeliz o desfecho da nossa história. Terá valido a pena.”

 

Trecho do romance Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios, da Companhia das Letras.

*Cris Lira é mestre em Literatura Brasileira e estudante de doutorado na Universidade da Geórgia, nos EUA, onde dá aulas de Português. clira@uga.edu