Culinária: alquimia, emoção e arte
A gastronomia se tornou uma forma de expressão artística — uma linguagem que desperta emoções, provoca sentidos e convida à contemplação. Os chefs, verdadeiros alquimistas contemporâneos, unem técnica e sensibilidade, combinando texturas, aromas e elementos da natureza com sabores inusitados, criando encantamento.
Cada receita carrega a identidade de quem a criou — histórias, memórias, afetos e cultura. Quando chega à mesa, o prato deixa de ser apenas alimento e se transforma em narrativa, tornando a mesa uma galeria. Ali, a contemplação de uma criação culinária, apresentada com apuro estético, pode emocionar e até arrancar lágrimas.
Os sabores falam diretamente ao coração. Efêmera por natureza, a culinária se consome no instante em que chega à
mesa, mas a lembrança do sabor permanece viva — como uma obra que continua a emocionar muito depois de ser contemplada.
Essa mesma harmonia entre o belo e o paladar se revela em Curitiba. Entre os nomes que traduzem essa conexão, está o chef Felipe Miyake, à frente do DUQ Gastronomia. Com um olhar artístico e uma sensibilidade apurada, ele acredita que “a cozinha é um espaço de criação, em que o prato nasce da emoção e da estética, como uma pintura que se revela a cada camada de sabor”.
Assim, a gastronomia deixa de ser apenas nutrição e ganha status de obra. Há conceito, ritmo e estética. Comer torna-se uma experiência completa — um concerto de sensações.
Quando técnica e emoção se encontram
Entre gestos precisos, memórias e ideias, Felipe Miyake, chef à frente do DUQ Gastronomia, compartilhou a
essência do seu ofício: criar com sensibilidade e servir com emoção. A base da sua cozinha é a francesa clássica, sólida e técnica, mas seu olhar é livre. Miyake parte da tradição para ousar, sempre em busca de novas formas de traduzir o sabor em sentimento.

Enquanto fala, seus gestos são quase coreografados — ele explica que o processo criativo começa como uma tela em
branco, um espaço aberto à imaginação. Às vezes, a inspiração surge de um ingrediente que o instiga; outras, de uma técnica que o desafia. Mas, em todos os casos, o que o move é a vontade de contar uma história por meio do prato.
“A arte está no fazer. No gesto, no cuidado, no modo como se toca a faca, como se mexe a panela. Quando alguém cozinha com delicadeza, isso emociona”, conta.
Cada criação passa por um tempo de maturação — um processo que se refina com a repetição, o olhar atento e o ajuste constante. Felipe enxerga o ato de cozinhar como performance: cada gesto tem ritmo, intenção e propósito. Assim como um pintor tem seu traço, o cozinheiro tem o movimento. Tudo é pensado para ser apreciado com os sentidos — do visual à textura, do aroma à emoção que permanece na memória.

O chef, no entanto, alerta para os excessos da estética contemporânea: “vivemos a era das imagens”, reflete. “Às vezes, o prato é escolhido pela foto, não pelo sabor. A beleza precisa vir do equilíbrio, não da ilusão.” Sua visão é clara: a forma deve servir ao conteúdo, nunca o contrário.
Felipe busca ser coerente. Respeita a base clássica que domina com maestria e a transforma em algo vivo, moderno e
sensorial. “Mais do que criar algo novo, quero que as pessoas sintam verdade no que comem”, revela.
Fora da cozinha, ele encontra inspiração na história e na antropologia dos alimentos. “O sabor também é memória”,
afirma. “Há ingredientes e preparos antigos que estão se perdendo, e parte do meu papel é manter viva essa herança”, acredita o chef.
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Miyake reflete sobre o ofício: “cozinhar é traduzir emoção em sabor. O gesto é arte, o detalhe é poesia, e o sabor é o que fica.”
Ali, técnica e emoção convivem em perfeita harmonia, provando que a arte, na cozinha, não está apenas no prato, mas no ato de criar.
Leitura que inspira
A Fisiologia do Gosto, de Jean Anthelme Brillat-Savarin (1825)

*Matéria originalmente publicada na edição #306 da TOPVIEW.