ESTILO CULTURA

APERTE O PLAY! Motivos para ouvir (e amar) sertanejo universitário

Como surgiu e se popularizou o gênero musical mais ouvido, comentado e lucrativo do Brasil

Ame-o ou ouça-o. Desde meados da década passada, o sertanejo universitário se consolidou como o gênero musical mais ouvido, comentado e lucrativo do Brasil. Passou quase ileso pela crise econômica e da indústria fonográfica do país para tornar-se porta-voz de uma geração, ao explicitar em letras corriqueiras as impressões de jovens sobre paixonites e festas que parecem não ter fim.

Musicalmente, essa avalanche inevitável encontra explicação no encontro do sertanejo produzido por infinitas duplas e repercutido em programas de auditório nos anos 1980 e 1990 com os gêneros arrocha e vanerão, mais dançantes e menos melosos. Foi o que fez, por exemplo, a dupla João Bosco & Vinicius, pioneira no gênero, nos bares universitários de Campo Grande (MS). “Em resumo, é um sertanejo mais pop, quase sem qualquer evocação da origem caipira, com instrumentos típicos do pop e do rock. O público, em sua maioria, não é mais o homem do campo que foi para a cidade e sente saudade do que deixou para trás”, diz o jornalista carioca Mauro Ferreira, ex-crítico musical da finada revista Bizz, do jornal O Globo e hoje repórter de cultura do portal G1.

Com a expansão e abrangência das redes sociais, houve a diluição das raízes caipiras. Artistas não cantam mais sobre o quintal de casa, como fizeram duplas antológicas como Cascatinha & Inhana e Tonico & Tinoco. Nem sobre desamores e traição, assunto preferido da dupla paranaense Chitãozinho & Xororó, que vendeu um milhão de cópias do disco Somos Apaixonados (1982). Mas sobre o que acontece em uma noitada, como se fosse um stories do Instagram. “O público, no Brasil, consome basicamente música sertaneja. É o ritmo dominante. A indústria fonográfica entendeu isso e passou a apostar prioritariamente no gênero. Ela amplifica o sucesso dos artistas, mas não os cria. Esse movimento é espontâneo”, completa Ferreira, citando também o preconceito “elitista” intrínseco ao gênero, em sua opinião, existente desde a década de 1940.

O pesquisador de música caipira Maikel Monteiro entende que o sertanejo universitário é uma evolução cronológica do sertanejo, baseado essencialmente em uma adaptação aos nossos tempos. E também diz que o estilo venceu um tabu social, existente até os anos 1990.

Marília Mendonça.

“Até os anos 1980, a música sertaneja era relacionada com a ‘dor de corno’. Quem ouvia tinha uma vergonha implícita disso, não assumia. Mas aí Almir Sater e Renato Teixeira levaram a viola para dentro da faculdade. Começaram as superproduções e os festivais sertanejos, as festas de rodeio. Passou a ser ‘bonito’, mais aceitável socialmente, até se tornar dominante”, explica Monteiro, também apresentador do programa Brasil Caboclo, na Rádio Paraná Educativa.

Desde 2015, músicas ao estilo sertanejo universitário se tornaram presença marcante entre as 100 canções mais executadas nas rádios do país, muitas das vezes dominando as 10 primeiras posições. Uma das mudanças fundamentais para a construção desse cenário foi a forma de vendagem desse tipo de música. Empresários e artistas do gênero preferem os singles – faixas lançadas individualmente – do que os álbuns, com 10 músicas ou mais.

De forma simbólica, esse tipo de consumo reflete o modo de vida “instantâneo” dos que ouvem, compram e compartilham esses singles. “Outra resposta para explicar a força da indústria da música sertaneja é o envolvimento de músicos no ramo executivo. O Sorocaba, por exemplo [da dupla Fernando & Sorocaba], é um dos maiores empresários da área. Isso abre muitas portas a quem está começando”, diz Monteiro.

Sertanejo de mulher

Simone & Simaria com Ludmilla.

Uma mudança importante para o sertanejo universitário, em especial nos últimos cinco anos, foi a maior participação e relevância das mulheres – com Maiara & Maraisa, Marília Mendonça e Simone & Simaria na linha de frente. Apesar de duplas históricas como As Irmãs Galvão e As Marcianas, o sertanejo é historicamente dominado por homens desde os anos 1930. “É um movimento justo, legítimo e irreversível, que reflete o aumento da equidade social das mulheres em relação aos homens. E também dá certa ‘resposta’ aos homens, que cantam suas aventuras amorosas muitas vezes de maneira machista”, conclui o pesquisador.

O catarinense Osmar Caetano, 36, está há 15 anos na estrada sertaneja e foi testemunha das mudanças que o gênero sofreu. “Comecei no sertanejo raiz, mas não tinha muito público. Depois, fui adaptando o som. Aí, comecei a tocar em baladas e casas noturnas, mudando as letras, tudo para agradar”, diz Caetano, que há duas semanas fez um show concorrido em Curitiba.

Osmar tem três discos lançados, o primeiro em 2008. Hoje, só trabalha com singles e lança um “toda semana”. “As letras são sobre baladas, bebida, pegação. O público gosta de se identificar com o que cantamos.”

Sertanejo universitário: as 10 mais tocadas do top 50 no Spotify

  1. Notificação preferida – Zé Neto & Cristiano
  2. Bebi liguei – Marília Mendonça
  3. Qualidade de vida – Simone & Simaria e Ludmilla
  4. Quem pegou, pegou – Henrique & Juliano
  5. Ciumeira – Marília Mendonça
  6. Estado decadente – Zé Neto & Cristiano
  7. Largado às traças – Zé Neto & Cristiano
  8. Sem sal – Marília Mendonça
  9. Traí sim – Maiara & Maraísa e Zé Neto & Cristiano
  10. Infarto – Diego & Victor Hugo

*Matéria escrita por Cristiano Castilho.

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