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Amor em cena: filmes e séries que exploram o amor

Da idealização à realidade: como a representação dos relacionamentos nas telas gera implicações na vida real?

“Não esqueça que eu sou apenas uma garota, parada na frente de um rapaz pedindo a ele que a ame!” Essa frase dita pela personagem Anna Scott, interpretada por Julia Roberts, se tornou icônica não somente no filme Um Lugar Chamado Notting Hill (1999), no qual está inserida, mas em toda uma sequência de comédias românticas que ocuparam as telas dos cinemas entre os anos 1990 e 2000.

Pouco mais de 10 anos depois, a mesma atriz, agora no papel de Elizabeth Gilbert, no aclamado filme Comer, Rezar, Amar (2010) profere uma frase bem diferente: “Há momentos que temos de procurar o tipo de cura e paz que só podem vir da solidão.”

Comer, Rezar, Amar marcou uma virada na forma de retratar o amor e o papel da mulher nas telas. (Foto: divulgação)

Ambos os filmes tratam de relacionamentos, mas em perspectivas completamente diferentes. Enquanto a produção de 1999 aborda a jornada de um casal que busca manter o amor vivo apesar dos problemas, a trama de 2010 traz à tona a história de uma mulher que, após uma separação conturbada, vive uma jornada de autoconhecimento — mesmo com alguns amores no “plano de fundo” da sua vida.

Para muitas pessoas, especialmente mulheres, o entendimento sobre o que é amor e como agir em relacionamentos começou a surgir no escuro de uma sala de cinema ou diante da TV durante maratonas de séries. Afinal, esse costuma ser um dos temas preferidos, se não o predileto, de roteiristas e diretores.

O retrato do amor na ficção pode, porém, reforçar padrões, sustentar estereótipos e normalizar comportamentos problemáticos. Por outro lado, com o avanço das discussões de gênero e maior diversidade nas produções, surgem novas histórias que propõem formas mais saudáveis e plurais de viver os afetos.

Uma lupa sob o cinema

O Teste de Bechdel é uma ferramenta simples desenvolvida para avaliar questões como essas. Criado em 1985 pela cartunista Alison Bechdel em uma tirinha satírica, o teste propõe três critérios simples para avaliar a representação feminina em filmes e séries: a obra precisa ter ao menos duas personagens femininas com nome, que conversem entre si, e cujo diálogo não seja sobre homens ou relacionamentos amorosos.

À primeira vista, as exigências parecem básicas. Mas, surpreendentemente, boa parte das produções não passa no teste. Desde o momento em que foi criado, o teste passou a gerar questionamentos sobre a representação dos relacionamentos nas telas de forma diversa e igualitária.

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O objetivo do teste não é definir a qualidade artística da obra, nem classificá-la como feminista ou não. O propósito é provocar o olhar do público e chamar atenção para o apagamento das mulheres como personagens complexas e independentes, dentro de narrativas centradas quase sempre em torno dos homens.

A diretora sueca Ellen Tejle criou um selo para identificar os filmes que passam no Teste de Bechdel e o Brasil foi o primeiro país da América Latina a adotar o selo.

O romance por outra perspectiva

Como na própria trama de Um Lugar Chamado Notting Hill , ao longo de anos, produções cinematográficas retrataram o amor como um caminho tortuoso, cheio de desencontros, brigas, sacrifícios e reconciliações emocionantes. A cineasta e influencer Luisa Clasen, conhecida como Lully, observa que esse tipo de narrativa ainda persiste. “Relacionamentos turbulentos, especialmente quando o final é feliz, acabam sendo romantizados. Isso faz com que, na vida real, a gente tolere discussões, grosserias e até abusos, achando que no fim tudo se resolverá”, afirma.

Um Lugar Chamado Notting Hill marcou o cinema no final dos anos 1990. (Foto: divulgação)

Ela aponta que as mulheres foram ensinadas desde cedo a esperar um “felizes para sempre” como recompensa. “As novas gerações estão mais conscientes disso e menos dispostas a tolerar. Isso é um avanço importante”, defende.

Por outro lado, Lully percebe sinais de mudança com o surgimento de narrativas que mostram o amor não como conquista ou posse, mas como parceria, amizade e crescimento mútuo. Nelas, a mulher deixa de ser um “prêmio” a ser conquistado pelo protagonista masculino e ganha espaço como personagem com desejos próprios.

Exemplos dessa reinterpretação podem ser vistos em obras como Sex and the City. A personagem Miranda, antes julgada por conta de sua liberdade, hoje é vista como empoderada, justamente por não aceitar relacionamentos ruins. Já em O Diabo Veste Prada, a protagonista, julgada por priorizar a carreira frente ao relacionamento, tem sua autonomia e ambição celebradas

Outro ponto importante apontado por Luisa é a necessidade de mulheres mais complexas nas telas. “Vivemos um momento de valorização da mulher, mas também precisamos de anti-heroínas. Os homens podem ser ambíguos, cometer erros e ainda assim serem adorados. Por que as mulheres não podem ter a mesma liberdade narrativa?”, questiona.

Heroínas da vida real

As estatísticas mostram que esse cenário está enraizado na estrutura da indústria audiovisual. Segundo a pesquisa “Presença Feminina no Audiovisual Brasileiro” (2016), das mais de 2.600 obras analisadas, apenas 19% foram dirigidas por mulheres, 23% roteirizadas e 41% contaram com mulheres na produção executiva.

Para que as representações femininas sejam mais justas e verossímeis, segundo Lully, é fundamental que haja mais diversidade por trás das câmeras. “Quando temos mais mulheres na sala de roteiro, as personagens ficam mais próximas da realidade”, diz. Ela completa: “Não basta diversidade na criação, ela precisa existir também onde o dinheiro está, nos cargos de decisão”, finaliza.

*Matéria originalmente publicada na edição #300 da TOPVIEW

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