ESTILO

O entrelace entre cultura e gastronomia

A relação entre cultura e gastronomia é direta e esbarra em conceitos antropológicos e históricos; no Paraná, a cultura gastronômica começa a tomar forma a partir de 1853

“Alimento  e  comida  são  diferenciados pela teoria antropológica: enquanto o primeiro consiste em qualquer nutriente biologicamente ingerível,  a  comida  resulta  de  uma  escolha, realizada  culturalmente  do  que  pode ser comestível ou não,    permeando um processo de aceitação cultural”, escreveram Stefany Ferreira Feniman e Marivânia Conceição Araujo no artigo Comida e Cultura: antropologia da alimentação em comunidades rurais do Paraná, utilizando as palavras que o autor francês Claude Fischler publicou no livro L’homnivore – “o omnívoro” em português. 

Esse processo de aceitação cultural se dá por meio da relação entre gastronomia e cultura. Segundo Maria Cecilia Pilla, professora, doutora em História e coordenadora mestrado Direitos Humanos e Políticas Públicas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, a gastronomia faz parte do universo da alimentação e todo o universo da alimentação está imerso na cultura. “Há uma relação direta, uma composição, uma amálgama. Não é possível a gente falar de cultura sem deixar de considerar que a alimentação compõe todos os pratos, todas as extensões que a cultura pode atingir”, pontua Pilla. 

O começo do caminhar de ambas e o entrelace delas são movimentos históricos: “os grupos humanos, ao longo do processo histórico, vão constituindo formas de relacionar com seus alimentos. Conseguimos perceber que a alimentação, as comidas, a cozinha e tudo que se constrói entendido como gastronomia é algo que surge na passagem do século 18 para século 19. Ao longo do século 18, vai se constituindo a ideia de gosto”, afirma a professora e doutora em História. 

Apesar de alguns pratos representarem seus países de origem, os gostos firmados no processo histórico, construídos por cada grupo humano com os recursos culturais e físicos dispostos geograficamente para cada um deles, acabaram ganhando outro significado por conta da globalização. 

“Imediatamente quando a gente fala sushi, pensamos no Japão. Esse alimento já se tornou algo que transcendeu o limite territorial da ideia do Japão, do governo japonês, para o campo da cultura, que acaba sendo algo muito maior, que representa toda uma cultura japonesa. Ao mesmo tempo que o sushi representa essa cultura, você traz o sushi do Japão para o Brasil, e nós colocamos nele o  cream cheese”, aponta a coordenadora. 

Não se precisa ir longe para notar as modificações culturais impostas na gastronomia de um local e as diferenças notadas de território para território. No Brasil, espalhados por 27 unidades federativas, encontram-se diversos estilos gastronômicos que se mesclam e divergem além das fronteiras.

“É muito difícil você falar sobre uma cozinha brasileira. O que é uma cozinha nacional e o que é uma cozinha regional? Por que que determinados pratos identificam-se com o brasileiro e outros pratos se identificam-se com regiões do Brasil?”, questiona Maria Pilla.

Paraná 

No sexto estado mais populoso do Brasil, a cultura se mescla com a gastronomia por meio da imagem econômica do território: “é um local de passagem, economicamente falando. No Brasil colônia e no Brasil império, famílias se estabeleceram no Paraná porque tinham relações aqui. Em 1853, quando se dá a elevação do Paraná como categoria de província, a imigração está crescendo. A partir daí, se encontram no estado os elementos lusos, a herança indígena muito forte, a ação da herança africana e contribuição dos imigrantes italianos, alemães. Os primeiros são os italianos e alemães, e a medida que o final do século vai se aproximando, chegam poloneses, ucranianos e monte de gente de origem desconhecida para nós. Tudo isso influencia na constituição de diversos pratos que se tornam difíceis de relacionar com algum outro local”, aponta Maria Cecilia Pilla. 

Apesar da mescla, existem alimentos que são típicos do Paraná. O Sebrae/PR atua, por meio do Grupo Origens Paraná, no fortalecimento dos produtos locais para desenvolver as Indicações Geográficas (IGs) – de acordo com informações da instituição, elas são ferramentas coletivas de valorização de produtos tradicionais vinculados a determinados territórios, possuindo duas funções principais: agregar valor ao produto e proteger a região produtora.

As IGs  são dividas em dois tipos: Indicação de Procedência, que ocorre quando a região torna-se conhecida como centro de produção, fabricação ou extração de determinado produto, e Denominação de Origem, que é o reconhecimento de um produto de determinada região, cuja notoriedade se dá exclusivamente pelas características do produto proveniente do meio geográfico.

Como explica a coordenadora do Agronegócio no Sebrae/PR, Maria Isabel Rosa Guimarães, o Paraná apresenta um produto com IG de tipo Indicação de Procedência, os Cafés Especiais do Norte Pioneiro. A especialista aponta ainda que existem projetos para a obtenção de futuros registros de Indicação Geográfica no estado. Espalhados por todo o território estadual, 11 produtos estão nessa lista. 

Guimarães aponta que esse trabalho resgata a cultura gastronômica no Paraná: “em 2020, nós fizemos um trabalho com os chefes de cozinha e também com os produtores, para que eles possam estar em sintonia. Nós estamos trabalhando para que as pessoas saibam que nas nossas regiões existem pratos típicos”. 

Chef do Oka Gastronomia, Lucas Trindade Krebs preza por um cardápio majoritariamente paranaense. Entre os pratos oferecidos no restaurante, está o barreado. A produção é inspirada na natureza e nos alimentos típicos da região. Localizado no Ekôa Park, em Morretes, o local apresenta ingredientes, em sua maioria, produzidos nos SAFs (Sistema Agroflorestal) do parque ou por produtores da região. “São bem legais as possibilidades que nós temos com os produtos do Paraná”, pontua o chef. 

Sobre a cultura gastronômica do estado, Krebs afirma que a forte ligação entre os profissionais da área ajuda a construir uma produção melhor: “a gastronomia do Paraná é bem forte e bem unida, por isso nós conseguimos fornecer para os clientes um produto com uma qualidade melhor. Quando eu preciso de alguma coisa, eu ligo para outro chef e pergunto ‘o que você está usando?’, ele fala e eu consigo desenvolver uma técnica melhor. Isso faz com que a gente movimente a economia e fortaleça a gastronomia do estado”. 

*Matéria originalmente publicada na edição #242 da revista TOPVIEW.

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