ESTILO

CRÍTICA: O Som do Silêncio (2020)

Filme equilibra um bom desenvolvimento narrativo com escolhas de linguagem extremamente imersivas

É uma velha estratégia de criação de roteiros – e histórias, no geral – a implementação de uma condição física como metáfora para uma deficiência emocional, ou de caráter, de um personagem. Em Chinatown, por exemplo, criminosos cortam o nariz de Jack Nicholson pois o personagem está realizando uma investigação e “metendo o nariz” onde não deve. Portanto, quando o protagonista d’O Som do Silêncio começa a perder a audição, isso pode significar muito mais que um simples estímulo inicial da trama.

O filme conta a história de Ruben, um baterista e ex-usuário de drogas que descobre estar perdendo a audição e precisa lidar com o fato de que sua rotina passará a ser preenchida pelo completo silêncio. Encorajado pela namorada, Lou, Ruben entra para uma comunidade de surdos, no intuito de aprender um pouco mais sobre sua nova condição.

No texto sobre Os 7 de Chicago, comentei sobre como muitas vezes valorizamos mais os aspectos literários de um filme do que seus aspectos cinematográficos, mas é impossível falar d’O Som do Silêncio sem comentar a qualidade de seu texto. Escrito pelo diretor Darius Marder e seu irmão Abraham Marder, o roteiro não procura reinventar a roda, buscando concisão e um desenvolvimento linear para o personagem que, conforme sua condição, está em constante mutação. A trama do filme não é composta por acontecimentos extremamente dramáticos ou conflitos inevitáveis, que fogem do controle do protagonista. Muito pelo contrário, todos os dilemas de Ruben são independentes dos indivíduos ou situações que o cercam, são conflitos internos que, apesar do protagonista não acreditar, já estavam lá muito antes da perda de sua audição. Ela é apenas um agravante, simbolizando sua dificuldade de sociabilidade, busca constante por pertencimento e, principalmente, sua autoaceitação.

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De início, a câmera é claustrofóbica e parece sempre oprimir o personagem (Foto: reprodução)

Mas todas essas qualidades não valeriam de nada se Darius Marder não soubesse traduzi-las para a tela. Em sua estreia na direção, ele se utiliza da mesma máxima que guia seu desenvolvimento dramático e opta por uma abordagem mais naturalista. Não há uma hiperestilização de espaços, ou uma dramatização excessiva por parte das personagens, as coisas simplesmente são como são. As atuações são marcantes – e minhas favoritas nas categorias que concorrem – justamente por não apelarem para composições excessivas, como choros exagerados, gritos e discussões acaloradas – e o último diálogo entre Ruben e Joe é brilhante nesse aspecto. Também é louvável a maneira com que o background dos personagens é apresentado, através de sugestões que, mesmo não tão sutis, deixam as lacunas certas a serem preenchidas pelo espectador, como as marcas de cortes nos braços de Lou, ou a tatuagem nas costas de uma das personagens que cruza o caminho do protagonista.

Há, sim, uma sensação de lugar comum que permeia a obra. Este não é um filme que conta com uma trama, personagem ou direção atípicos. O que talvez o diferencie do restante dos filmes da temporada, por exemplo, seja a imersão que ele propõe. A câmera é um instrumento que, ao mesmo tempo, oprime e liberta o personagem, nunca se desvencilhando de Ruben. Estamos sempre colados em seu rosto ou observando por trás de seus ombros, e quanto mais perto estamos, melhor entendemos sua nova realidade — a comunidade, a priori, é um ambiente intimidador e a dificuldade que Ruben tem para se comunicar é passada para o espectador através da falta de legendas nos diálogos compostos pela ASL (linguagem de sinais americana). Mas é só quando o som desaparece – suprimido por um ruído constante, incômodo e grave – que somos inundados com uma carga de empatia avassaladora. O ruído representa não só a progressão da surdez de Ruben, mas também sua inquietude emocional, e é muito interessante observar como ela gradualmente diminui quando o protagonista passa a se integrar na comunidade, mas volta mais forte depois da virada do segundo para o terceiro ato. 

Essas pequenas incursões dentro da vivência de Ruben exploram a linguagem cinematográfica dando equilíbrio para uma obra que, sem muitas pretensões, deseja contar uma boa história sem apelar para o excesso. Encerrando o filme em uma sequência memorável, Darius Marder faz uma escolha simples e poética, que traduz perfeitamente a evolução de seu protagonista e faz uma rima de sensibilidade ímpar com a cena de abertura do longa.

NOTA: ★★★★☆

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