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CRÍTICA: Bela Vingança (2021) e seu medo de sujar as mãos

Emerald Fennell propõe uma subversão interessante em sua narrativa, mas parece nunca se entregar plenamente à sua violência temática

Há tempos que Bela Vingança – indicado ao prêmio de melhor roteiro original no OSCAR 2021 – figurava na lista de roteiros promissores nunca comprados por Hollywood. A situação só mudou quando Margot Robbie, a Arlequina de Aves de Rapina, ficou sabendo da cena de abertura do filme e decidiu produzi-lo. Não é de se admirar que ele tenha chamado a atenção da atriz e produtora que, extremamente engajada em causas sociais, viu na trama uma protagonista forte que bota em cheque e se vinga da misoginia velada no dia a dia.

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O filme conta a história de Cassie, uma jovem que após um acontecimento traumático, largou a faculdade de medicina e voltou para a casa dos pais. Agora, perto dos 30 anos, ela decide se vingar de predadores sexuais que se aproveitam das mulheres bêbadas em baladas.

Uma das maiores qualidades do filme é a subversão proposta por Fennell. Apesar de possuir em mãos um arco dramático que discute uma pauta séria e pesada, a diretora prefere banhar o filme com uma visão ironicamente adorável e caricata: os espaços ocupados por Cassie são aconchegantes, bem iluminados e banhados de tons pastéis que dão uma sensação acolhedora. Seu figurino é moderno e sexy, mas que estranhamente flerta com uma estética infantilizada, e os personagens são, em sua maioria, maniqueístas.

Fennell veste sua história trágica com uma estética adorável (Foto: reprodução)

A própria protagonista remete ao fetiche masculino de uma mulher pós-moderna forte, que transita entre ser uma menina encantadora e uma mulher mal-humorada. Carey Mulligan, uma das favoritas ao prêmio de melhor atriz, está excelente e se diverte no papel de Cassie. A atriz abraça a caricatura quando precisa capturar e punir seus algozes – e é divertido observar a facilidade com que ela se transforma apenas com a mudança do timbre de voz ou um sorriso de canto de boca – mas é eficiente ao demonstrar a fragilidade emocional da personagem com seus olhares perdidos e explosões de raiva.

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Toda essa extravagância e cinismo funcionam, no fim, quase como escolhas sutis, visto que a visão mais genérica e evidente possível seria, justamente, escancarar de maneira exageradamente dramática os absurdos de tais construções sociais. Portanto, nessa ótica ambígua, quando Fennell faz Cassie se apoiar no balcão da cafeteria em que trabalha e cuspir no café de um cliente que flerta com ela, a diretora está não apenas satirizando o arquétipo masculino de mulher forte, mas também desconstruindo-o em prol do desenvolvimento de sua protagonista.

E isso nos leva ao principal problema do filme.

Apesar de Bela Vingança operar sob essa lógica irônica e satírica, ele nunca suja realmente as mãos. É até incoerente que um filme que opta por se utilizar de estímulos cinematográficos tão imediatos – a trilha sonora pop, a montagem rápida, os diálogos incisivos filmados em enquadramentos expressivos banhados de cores intensas – nunca se entregue plenamente à sua violência temática. A iminência presente em todas as sequências envolvendo os episódios com predadores sexuais nunca é concretizada. E por mais que o clímax envolva uma situação cruel e desesperançosa, o fim do terceiro ato quebra essa construção niilista e reforça a ingenuidade do roteiro, que se entrega à uma resolução tola e previsível.

A ambiguidade proposta por Emerald Fenell é excepcional. Sua visão lúdica aposta em uma estética pop mordaz sem deixar de lado o potencial crítico de seu texto. O problema é que toda essa “sutileza” do exagero presente na narrativa soa meio vazia quando comparada ao desfecho inocente de seu arco dramático.

NOTA: ★★★☆☆


No OSCAR 2021, Bela Vingança foi indicado aos prêmios de melhor filme, melhor atriz, melhor direção, melhor montagem e melhor roteiro original.

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