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Fruta picante: chefs ensinam a usar pimenta na gastronomia

Saiba mais sobre as principais pimentas vendidas no Brasil e confira as dicas dos chefs para tirar o melhor proveito delas

Ardência na boca, lágrimas nos olhos, soluço, calores no corpo, transpiração e até falta de ar. Esses sintomas, tão associados a inúmeras doenças, podem na verdade ser provocados pela simples ingestão de um alimento: a pimenta. A planta, originária da América Latina, tem propriedades tão exóticas que, há mais de 6 mil anos, era considerada um poderoso remédio, capaz de proteger o estômago de bactérias e de provocar efeitos expectorantes no organismo.

“De início, a pimenta era usada mais como um medicamento do que um ingrediente culinário”, explica Rodrigo Camargo, do site PimentasOnline. Mesmo depois de se espalhar pelo mundo graças às navegações, o fruto da pimenteira continuou a ser explorado por suas propriedades medicinais, principalmente em países como China e Índia.

É capsaicina o nome do composto que provoca a sensação forte e picante da pimenta. Quanto mais capsaicina, mais “quente” é a variedade. E justamente para medir a pungência desse alimento, em 1912 o químico norte-americano Wilbur Scoville criou a Unidade de Calor de Scoville – ou Scoville Heat Units (SHU). O número indica quantas vezes a pimenta precisa ser diluída em água com açúcar para perder a picância.

As variedades consideradas mais fortes possuem mais de 200 mil SHU. Há casos de pimentas que superam de longe esse número, como a Trinidad Scorpion Butch T – que foi desenvolvida em laboratório por uma empresa australiana em 2011.

Ela tem mais de 1,46 milhão SHU e só pode ser manipulada com luvas e máscaras respiratórias (normalmente, é usada para fazer o gás de pimenta). “Existem outros componentes bioativos nas pimentas, como capsinóides, os quais são análogos da capsaicina e são menos pungentes”, explica Rubia Daniela Thieme, nutricionista discente do programa de pós-graduação em segurança alimentar e nutricional da UFPR e conselheira suplente do Conselho Regional de Nutricionistas da 8ª Região.

“A proporção de capsaicina, capsinóides e outros compostos depende das condições agroclimáticas em que a planta foi cultivada e do grau de maturação quando colhida”, completa. Por isso, a pungência de cada pimenta, mesmo dentro de uma mesma espécie, pode variar um pouco.

Ingrediente gastronômico

Em paralelo ao uso como medicamento, as qualidades da pimenta como ingrediente da culinária foram ganhando força, principalmente na América pré-hispânica, região que atualmente abriga um país famoso por sua comida picante: o México. In natura, em conserva, desidratada ou em pó, a pimenta é hoje uma especiaria encontrada na culinária de vários países. “É um produto muito utilizado para temperar saladas, carnes e sobremesas. Quem nunca provou chocolate com pimenta não sabe o que está perdendo”, afirma Junior Corbari, chef do Zapata Mexican Bar e do Zapata La Taquería.

Apesar de sua origem americana, esse singular ingrediente ganhou fama mesmo é do outro lado do mundo. “Hoje, 89% da produção de pimenta advém do continente asiático”, explica Rubia. Segundo ela, há cerca de 25 espécies de pimenta selvagens, às quais se somam cinco espécies principais: Capsicum annuum L., Capsicum baccatum L., Capsicum chinense Jacq., Capsicum frutescens L. e Capsicum pubescens Ruiz & Pav. “No Brasil, a espécie mais cultivada é a Capsicum annuum, que inclui pimentões, pimentas doces e algumas ornamentais”, afirma Rubia.

Sem regras

A tolerância à picância da pimenta varia muito de pessoa para pessoa. O que se sabe é que, quanto maior a frequência de consumo, mais resistência o organismo vai ganhando. “A ingestão constante da pimenta permite que nosso corpo se habitue cada vez mais às reações da capsaicina”, explica Camargo. “A pimenta é viciante. Você acostuma com o ardume e passa a querer coisas mais fortes”, endossa Antonio Brunow Ventura Takahara, proprietário da Banca do Paulo – a famosa banca de pimentas do Mercado Municipal de Curitiba, muito procurada pelos chefs e estudantes de culinária da cidade.

Justamente por causa dessa característica tão peculiar, o uso da pimenta na gastronomia – principalmente em pratos elaborados em casa – varia muito de acordo com o paladar individual. “A pimenta é muito usada para substituir um pouco o sal e é uma especiaria que realça o sabor”, afirma Takahara. Segundo ele, o brasileiro está mais acostumado ao sabor pungente por causa da difusão de restaurantes de comidas picantes, como a tailandesa e a mexicana – mas ainda consome preferivelmente as pimentas mais fracas, como as campeãs de vendas malagueta e biquinho.

Para os leigos, há uma dica simples para se aventurar pelo mundo dessa exótica fruta: se a comida é forte, como uma feijoada ou um barreado, use uma pimenta mais poderosa. “Obviamente é preciso ter cautela com as pimentas mais fortes, que devem ser usadas na maioria das vezes em molhos”, explica Camargo.

As chamadas pimentas-de-cheiro têm quase nenhuma ou pouca pungência e podem ser consumidas inteiras. A pimenta-de-bode, também conhecida como pimenta baiana e considerada forte, vai bem com peixes e moquecas. A dedo-de-moça, depois de seca e moída, é usada para a fabricação de pimenta calabresa, facilmente encontrada em pizzas e saladas.

“Na cozinha, o ideal é usar a pimenta natural ou em conserva para picar e colocar na panela”, explica Takahara. A conserva é muito fácil de ser feita: basta lavar as pimentas com vinagre (pode ser de qualquer tipo, do de vinho ao branco), colocá-las em um pote e completar com mais vinagre e sal. Caso queira fazer com óleo, use o de girassol, que é o que mais conserva o sabor da pimenta.

E para aqueles que, depois de ler esta reportagem, se animarem a testar sua resistência à pungência das pimentas, uma dica valiosíssima: ao mexer com pimentas muito fortes, use sempre luvas. Em caso de contato com a pele, o poder da capsaicina pode ser amenizado ao se passar produtos oleosos, como óleo de soja. E caso ocorra a ingestão de uma pimenta que provoque mal-estar, recorra aos produtos lácteos: um pedaço de queijo branco, leite ou iogurte.

SUPERPODEROSA?

Rica em vitaminas A, C, B1, B2 e B5, carboidratos, gordura, magnésio, iodo e cobre – e com propriedades analgésicas e anti-inflamatórias – a pimenta é tida por muitos como um superalimento, inclusive pela fama de acelerar o metabolismo e, assim, apressar o processo de emagrecimento. Mas, segundo a nutricionista Rubia, é preciso tomar cuidado com as informações que circulam por aí. Segundo ela, seriam necessárias 10 gramas por refeição para o alimento ter efeito metabólico. E essa dose, devido à pungência da fruta, é tida como intolerável para o organismo. “Manter uma alimentação saudável e equilibrada e utilizar as pimentas para agregar sabor às refeições é a melhor das opções”, aconselha Rubia.

CULINÁRIA APIMENTADA

Em Curitiba, há dois restaurantes recomendados para quem quer se aventurar no universo das pimentas. No Swadisht Culinária Indiana, é possível escolher o nível de pimenta do prato, em escala de 0 a 5. Na preparação dos pratos, é utilizado apenas o chili em pó, a pimenta indiana. Para molhos, servidos à parte dos pratos, também é utilizada pimenta malagueta. “Um iniciante pode utilizar a páprica doce, que traduz o sabor da pimenta, mas não apresenta a ardência do tempero”, aconselha o chef de cuisine Ravi Shinde. Já nas unidades do Zapata, o chef Junior recomenda o jalapeño para quem está começando e o habanero para quem quer emoções mais fortes.

ONDE COMPRAR

Bombay Herbs&Spices: Av. Cândido de Abreu, 127, 1º piso, Centro Cívico | Shopping Mueller | (41) 3011-3111
Banca do Paulo: Mercado Municipal, boxes 4/5/15/16/23/24/26/27

ONDE COMER

Swadisht Culinária Indiana: Av. Vicente Machado, 2.036, Batel | 41 3150-1056
Zapata Mexican Bar: unidade Centro Cívico | 41 3352-9097 | unidade Batel | 41 3095-2097
Zapata La Taquería: Shoppings Estação, Mueller e Pátio Batel

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