ESTILO

Coluna Arte, julho de 2018

Reflexões sobre a arte e o tempo: o galerista Marco Mello, da Casa da Imagem, instiga-nos a olhar a produção artística de forma pouco pretensiosa

Em sua primeira visita ao local onde seria erguida a nova capital federal, Oscar Niemeyer foi inquirido pelo Marechal Lott, ministro da guerra de Juscelino: “Doutor Oscar, o senhor vai construir pra gente uns palácios bem bonitos, feito os clássicos, não é?” A resposta não poderia ser mais direta e eloquente: “Marechal, o senhor, na guerra, prefere combater com uma arma antiga ou nova?” Não tivesse Juscelino Kubitscheck escolhido um arquiteto fabuloso para desenhar a nova cidade, não bastasse tantas, Brasília padeceria de outra grande mazela: uma coleção de edifícios medonhos e kitschs esquadrinhando os seus horizontes.

Brasília pela lente de Gonzalo Viramonte.

O causo envolvendo a capital brasileira demonstra que o julgamento a propósito de algo não se mantém ad aeternum e que é perfeitamente possível que uma coisa, em determinado momento, seja tomada como expressão máxima da beleza e, em outro, seja considerada como demonstração da feiura e do mau gosto. As linguagens e os seus produtos não são fatos que podemos sacar e utilizar a bel-prazer: não são completamente flexíveis e também não estão despidas de vontades próprias. As variadas criações que nos cercam nasceram e cresceram em percursos definidos e mantêm, com esses tempos, estreita sintonia. A pintura, a escultura e a literatura clássica se desenvolveram em um universo em que o ritmo das experiências transcorria bem mais lento e muito menos complexo. Não existia luz elétrica, não havia veículos automotivos, tampouco o trabalho obedecia ao ritmo fabril. De tal modo, os produtos da linguagem figuravam mais estáveis e menos frenéticos. Com o advento da modernidade, veio à tona um conjunto de experiências inéditas, obrigando não só a transformação das linguagens existentes como, igualmente, o aparecimento de outras, tais como o cinema e a fotografia.

Femme au Béret et à la Robe Quadrillée (Marie-Thérèse Walter), 1937, de Pablo Picasso, vendida por R$ 225 milhões em um leilão ocorrido em março deste ano.

As obras de Matisse, Picasso e de outros grandes artistas responderam a essas radicais mudanças e, para avaliá-las corretamente, nunca devemos esquecer o contexto aos quais elas pertencem. Há décadas, vivemos em um período diverso do moderno e as obras contemporâneas se promovem respondendo às sociabilidades e às sensibilidades de nossa época. Em muitas obras, as naturezas artísticas podem parecer pouco evidentes, o que é perfeitamente natural, já que a extrema proximidade também inviabiliza a visão. Aos opositores desses trabalhos, por antecipação, lembro o trecho de uma música de Caetano Veloso: “pipoca ali, aqui, pipoca além, desanoitece a manhã, tudo mudou”. É possível que, tal como o ocorrido com o Marechal Lott, outros tantos se obriguem a dar a mão à palmatória. Entretanto, cabe um alerta: uma pretensão não é igual a uma realização; ambicionar responder às questões de uma época, necessariamente, não concretiza boa arte e, tampouco, fornece qualquer garantia de que o que se realizou, ao menos, seja arte.

Tabac Royal, 1943, de Henri Matisse, uma pintura a óleo sobre canvas.

*Coluna publicada originalmente por Marco Mello na edição 213 da revista TOPVIEW.

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