Carro elétrico: um sinal de que o futuro está chegando?
Elétrico, autônomo, compartilhado, conectado e atualizado anualmente. É assim que a consultoria PWC descreve “o carro do futuro” na publicação Cinco Tendências que Transformarão a Indústria Automotiva, do início de 2018. Apesar dos ares de ficção científica, esse futuro pode estar bem próximo, principalmente no caso da eletrificação.
De acordo com a PWC, até 2030, mais de 55% dos carros novos vendidos no mundo podem ser elétricos. Já a consultoria financeira Morgan Stanley estima que eles vão corresponder a 15% do mercado mundial até 2025. As estimativas, cada vez mais ousadas, estão relacionadas às regras para frear a emissão de gases que causam o efeito estufa, que têm impulsionado os investimentos das montadoras tradicionais em eletrificação.
De um lado, Alemanha, França, Holanda, Índia, Noruega e Reino Unido já anunciaram que pretendem banir a venda de veículos movidos a combustíveis fósseis entre 2025 e 2040. De outro, a GM afirmou que vai lançar 20 novos modelos puramente elétricos até 2023 e a Ford revelou que vai investir US$ 11 bilhões em veículos elétricos até 2022, lançando 40 modelos híbridos ou puramente elétricos.
Isso que, segundo o professor de engenharia da UTFPR, pesquisador da área de mobilidade elétrica e pós-doutor pelo Instituto de Pesquisa de Transporte da Universidade de Michigan, Sérgio Tadeu Gonçalves Muniz, as empresas americanas não são as mais engajadas em atender o novo mercado. “Algumas montadoras europeias e japonesas estão mais agressivas, como a BMW, a Mercedes, a Toyota e a Renault. A Ford, mesmo já tendo veículos elétricos, só agora decidiu investir mais agressivamente”, diz.
Além delas, há as companhias que nasceram voltadas para esse mercado. “A Tesla, por exemplo, teve uma adesão muito forte, primeiro nos Estados Unidos e, em seguida, no mundo, e já é uma ameaça para as montadoras tradicionais”, afirma Muniz. Em 2017, a empresa lançou seu primeiro produto fora do mercado de luxo, o Model 3, com preços a partir de US$ 35 mil. A expectativa acerca do modelo era tão grande que cerca de 115 mil pessoas reservaram unidades nas 24 horas que antecederam a apresentação do carro.
No Brasil
De acordo com um estudo da FGV Energia do segundo semestre de 2017, a frota brasileira de carros elétricos é de aproximadamente 5,9 mil unidades, sendo a maioria delas do híbrido Toyota Prius. No total, o país tem mais de 51 milhões de automóveis em circulação.
“A América do Sul tem a menor aceitação dos veículos elétricos do mundo e, antes de 2025, isso certamente não vai mudar”, explica Muniz. “No Brasil, um dos motivos para isso é o etanol, uma fonte alternativa e que também está no rol de negócios da Petrobras.”
Ainda assim, o presidente da Associação Brasileira de Veículos Elétricos, Ricardo Guggisberg, é otimista: “Estamos estudando metas e previsões e o que posso dizer agora é que, até 2030, um terço dos veículos adquiridos no Brasil, nacionais ou importados, deverão ser híbridos ou elétricos”.
Desafios
Apesar da expectativa, a indústria automobilística ainda precisa superar obstáculos para incorporar os elétricos definitiva e significativamente à frota mundial.
O primeiro deles é o preço alto, devido ao custo de produção, que está relacionado à demanda. “As montadoras dependem de uma perspectiva de demanda e ainda temos uma alta carga tributária, a qual torna os produtos muito caros”, diz o engenheiro Márcio Massakiti, um dos responsáveis pelo Programa Veículo Elétrico da Itaipu.
Para ele, a atuação do governo é essencial, já que, nos países em que os elétricos estão se popularizando, há isenções de impostos tanto para as montadoras quanto para os clientes. Na Noruega, onde 37% da frota já é elétrica, há isenção do ICMS e de outros tributos, além de estacionamento gratuito em alguns municípios e outros benefícios.
No Brasil, os modelos puramente elétricos têm isenção do Imposto de Importação e, segundo um anúncio do Ministério da Indústria e do Comércio Exterior, devem ter IPI reduzido para 7%. A medida será válida também para os híbridos, cujo Imposto de Importação é de 7%. Além disso, há expectativa de que o programa para a indústria automobilística Rota 2030 contribua para tornar os elétricos mais atrativos para os consumidores e para que, aos poucos, estabeleça-se uma produção nacional.
Outras questões são a autonomia dos carros, que ainda não é considerada suficiente (a média é de 250 km para modelos populares, mas já há carros com 600 km de autonomia), e a estrutura necessária para o “abastecimento”.
No entanto, para Massakiti, o maior desafio é a desmistificação dessas questões. “Quanto à autonomia, a média de rodagem do brasileiro, hoje, é de 54 km por dia, ou seja, não passamos mais do que duas horas rodando na rua e já há elétricos com autonomia de 600 km”, diz. “Já há estudos que mostram que 80% das recargas ocorrem em casa. Se houver um ponto de recarga no trabalho, cai para 4% a necessidade de recarga em vias públicas. Então, infraestrutura não é um problema. Mas, claro, precisamos de carga rápida para atender principalmente o transporte público, os serviços de entrega, etc.”, completa.
Velho conhecido
Veículos elétricos podem ser o futuro, mas não são novidade: no fim do século 19, eles dividiam as ruas com os movidos a vapor e à combustão interna. Perderam espaço devido à autonomia e à dificuldade de criar uma rede de abastecimento (em relação ao petróleo).
No fim do século 20, quando as preocupações com o meio ambiente e a eficiência energética ganharam força, os elétricos voltaram à tona, também com o apelo de diminuir a dependência de vários países de petróleo importado. Outra tecnologia que ganhou atenção, pelos mesmos motivos, foi a célula de hidrogênio. Contudo, conforme Muniz, existe uma descrença de que ela vá prevalecer, devido ao seu alto custo.
*Matéria publicada originalmente por Vivian Faria na edição 209 da revista TOPVIEW.