Wine Professional: descubra o mundo dos vinhos com Paul Tudgay
Na terra do chá quente e da cerveja em temperatura ambiente, um garoto de 21 anos começava um amor indissolúvel pelos vinhos tranquilos. Paul Tudgay nasceu em Birminghan, Inglaterra, e, desde a adolescência, aproveitou as oportunidades que a vida (e as pessoas) lhe deu para fazer dessas bebidas uma carreira.
Em 2014, decidiu se mudar com a esposa, Juliana Bossini, para o Brasil. Com a promessa de ficarem apenas dois anos, Paul se sentiu em casa verdadeiramente e, dez anos depois, o casal abriu uma empresa em Curitiba, a Roostock Vinhos. Agora, eles estão entre os nomes mais influentes do país nesse mercado.
Pode dividir um pouco de sua história pessoal?
Nasci na Inglaterra, na cidade Birmingham, hoje conhecida pela cidade dos Peaky Blinders. Comecei a trabalhar em restaurantes com 15 anos e, até meus 21 anos, eu já tinha pegado a paixão pelo vinho. Viajei bastante durante boa parte dos meus 20 anos, passando muito tempo um Miami, Índia e outros países.
Em 2000, me mudei para Nova Zelândia, onde fiquei 13 anos. Lá continuei meus estudos de vinhos e comecei a trabalhar na área comercial e educacional. Em Queenstown, a cidade onde morei, encontrei a Juliana Bossini, minha esposa há 12 anos, que também trabalhou na área de vinhos.
Em 2014, resolvemos nos mudar paro Brasil (falei: “vamos por dois anos”) e já estamos aqui há 10 anos. Abrimos nossa empresa Rootstock Vinhos há cinco anos.
Adoro Curitiba e o Brasil, me sinto em casa aqui e sou super bem tratado pelo povo. Agradeço muito a aceitação que recebi aqui.
Como o interesse pelos vinhos começou?
Como falei, eu peguei a paixão de vinhos quando tinha 21 anos. Eu trabalhava num bistrô na Ilha de Jersey (perto da Bretanha, França) naquela época, e o dono meu deu a oportunidade para ajudar e gerenciar eventualmente o programa de vinhos no restaurante.
Peguei a bola que ele me deu: eu atendia degustações, participava de cursos e comecei a aprender e desenvolver meu paladar. Às vezes, só precisa uma pessoa abrir uma porta, e se aceitar, sua vida segue uma direção nova. Eu nunca esqueci isso e também tento abrir portas para outras pessoas no mundo de vinho.
E de que forma isso se tornou uma profissão?
Assim que eu me qualifiquei como sommelier no Court of Master Sommeliers nos 1990, eu comecei a usar o título sommelier na minha vida profissional, apesar de que eu já tinha trabalhado na área durante muito tempo.
O que significa ser um sommelier?
Sou mais tradicionalista, então, para mim, um sommelier é um profissional que trabalha na área de hospitalidade, especializado em vinhos e outras bebidas. O trabalho inclui seleção de vinhos para a carta, treinamento para a equipe, serviço e vendas de vinhos, gestão da adega e programa de vinhos para o estabelecimento.
Confesso que não uso mais o nome sommelier para meu perfil profissional, porque eu não trabalho mais em restaurantes ou hotéis. Uso Wine Professional. Mas o sentido das palavras mudam e, hoje, o cargo de sommelier é mais amplo e o nome é usado pelos vários tipos de profissionais do vinho, como influencers, lojistas, vendedores comercias. Nada contra de minha parte, mas mesmo assim, prefiro não usar mais para eu mesmo.
Como se tornar um sommelier?
Tradicionalmente era um tipo de trabalho em hotel ou restaurante. Existem cursos específicos que você pode fazer para ganhar o título de sommelier, incluindo aquele que fiz com o Court of Master Sommeliers, mas é menos estruturado do que o título do chef da cozinha, por exemplo.
Hoje, o uso de sommelier é mais flexível, para indicar que você é um conhecedor de vinhos. Por exemplo, se uma escola culinária está oferecendo um curso de sommelier, e um advogado completa o curso, sem intenção de trabalhar como sommelier, ele pode usar o título de sommelier? É o direito dele. Mas ele é sommelier mesmo? Esta é a pergunta de milhões.
O que o vinho significa para você?
Sendo um comerciante de vinho estou participando da história. É uma das profissões mais antigas do mundo. Vinho é um produto natural que o ser humano só consegue manipular. Não criamos vinho, a natureza cria.
O vinho tem uma característica intangível, vem do mundo natural, mas somos capazes de nos conectar com ele de uma forma quase espiritual.
O vinho pode contar histórias, e pode falar do lugar de onde veio. É um produto único e eu acredito que há algo para cada interesse no mundo do vinho. Se você gosta de história, arte, ciência, filosofia, religião, design, negócios, tecnologia — está tudo lá para descobrir.
Outro aspecto do vinho que amo é que ele não pode ser digitalizado. Num mundo cada vez mais tecnológico, o vinho é uma constante.
Se você pudesse escolher uma pessoa no mundo, quem convidaria para beber um bom vinho?
Que pergunta boa! Morto ou vivo? (risos)
Vivo: quem trabalha com vinho sempre quer aprender mais, então eu gostaria de tomar um vinho com Jancis Robinson (jornalista e Master of Wine) para absorver o conhecimento dela!
Morto: Winston Churchill — um grande apreciador de bons vinhos, e um dos melhores contadores da história que já existiu!
Dois britânicos, que bairrista eu sou!
“Não criamos vinho, a natureza cria.” – Paul Tudgay
Se pudesse beber um único vinho, de uma única marca, todos os dias, qual escolheria?
Quem está pagando? Seria um Pinot Noir da Borgonha, um dos Grand Crus do Côte de Nuits, poderia ser Musigny. Tenho poucas oportunidades de beber vinhos de lá devido aos preços, mas quando tenho é inesquecível.
Qual foi o último vinho que comprou para si?
O último foi um vinho argentino da Patagônia, do produtor Bodega Noemia, quando visitei a região. É uma pena não conseguirmos trabalhar muito com vinhos argentinos devido à questão dos vinhos entrarem no Brasil ilegalmente da Argentina.
São vinhos maravilhosos, eu adoro os vinhos da Patagônia que têm mais frescor e são mais equilibrados. Mas, infelizmente, é difícil para importadoras competirem com os criminosos que trazem esses vinhos da fronteira.
Qual foi o momento mais memorável que já viveu e celebrou abrindo um vinho?
Quando eu pedi a Juliana em casamento (agora minha esposa, então ela aceitou!), foi em Barossa, na Austrália, num vinhedo chamado Hentley Farm e abrimos duas garrafas aquela noite: The Beauty (ela) and The Beast (eu). Ambos vinhos tintos. Às vezes não é só a qualidade do vinho mais a companhia e o momento que criam as memórias.
Você prefere vinhos tranquilos ou espumantes?
Gosto de todo tipo de vinho, mas tomo mais vinho tranquilo do que espumante. São mais versáteis e têm mais variedade.
Entre brancos, tintos e rosés qual é o seu favorito?
Gosto de vinhos brancos e tintos igualmente, depende muito no momento, clima, a comida que estou comendo e outros fatores. Os rosés gosto também, mas são normalmente menos complexos e servem para momentos específicos.
Como saber escolher um bom vinho para consumo próprio?
Esse é um desafio para produtores — como chamar a atenção dos consumidores quando existem tantas opções? Tenho uns amigos e colegas que sei que têm o mesmo gosto que eu e confio neles para recomendações, mesmo para eu dar dicas para eles.
Gosto de viajar também e sempre procuramos novos vinhos. Para consumidores, recomendo achar um vendedor confiável, que entenda seu gosto e seu limite de gasto e conversar com eles.
Experimente coisas novas — um bom profissional saberá indicar um vinho diferente, mas que ainda cairá no seu gosto.
Como harmonizar bem vinhos no consumo em casa?
Harmonização é uma parte prazerosa do mundo de vinho mas também complexa. Todo mundo tem paladares e gostos diferentes. Existe uma parte técnica que você aprende em cursos de vinhos, mas a melhor forma de aprender é experimentar!
O objetivo é ter um vinho que você gosta com o prato que você está comendo e criar uma harmonização, ou seja, nenhum dos dois domina o outro. É muito mais provável que a comida vai se sobressair ao vinho. Mas se você puder sentir os sabores da comida e do vinho, está bom.
Às vezes a harmonização pode acentuar um aspecto do vinho (ou da comida) que não é obvio quando você toma ele sozinho. Esses são momentos memoráveis! Experimentem, e eventualmente virará cada vez mais instintivo.
Pode descrever o passo a passo do ritual para testar o vinho nos restaurantes?
E quais os indicadores que mostram que ele não está bom para consumo?
A tradição de provar o vinho antes de servir para a mesa em restaurantes é ainda muito importante, sendo feita para verificar a condição do vinho, não para ver se você gosta ou não. Antigamente era mais comum para vinhos terem defeitos, ou na vinificação, ou no armazenamento.
Atualmente, com a tecnologia moderna e controle de temperatura, existem menos incidências de vinhos problemáticos, mas ainda vale verificar antes de aceitar.
Os defeitos de vinhos mais comuns são oxidações (pode ser durante a vinificação, mas é provável que o vinho é velho demais ou não foi armazenado corretamente).
Vinhos oxidados têm aroma de fruta passada, vinho jerez (licoroso) e quando extremo, vinagre. Neste caso é melhor trocar por outro rótulo.
Bouchonné ou contaminação por T.C.A (Tricloroanisol), caracteriza-se por um fungo que ataca a rolha de cortiça, deteriorando-a e contaminando o vinho. Pode ser identificado por um aroma de papelão molhado ou fungos. O vinho deve ser trocado por outro do mesmo rótulo. Vinhos de screwcap (tampa-rosca) não terão esse problema.
Como você avalia o setor vitivinícola no Brasil?
Desde que cheguei ao Brasil tive curiosidade sobre os vinhos daqui. Porque são difíceis de achar fora do Brasil. Sempre tive uma boa representação de vinhos nacionais em nosso portifólio na Rootstock Vinhos e vi uma evolução de qualidade dos vinhos durante os meus 10 anos aqui. Existem espumantes excelentes e brancos progressivamente melhores.
Mas é no vinho tinto que o Brasil sempre será julgado, pelos próprios brasileiros, porque o Brasil toma muito mais tinto do que branco e espumante. E existem dois vizinhos, Argentina e Chile, que produzem alguns dos melhores tintos do mundo.
Vinhos tintos brasileiros diferem dos vinhos do Chile e Argentina. Têm mais acidez, álcool mais baixo (para mim, um ponto muito positivo) e os vinhos demoram para ficar equilibrados.
Então, vinhos tintos brasileiros têm espaço para melhorar, os consumidores precisam ter paciência com eles e os produtores têm que ter a confiança em produzir vinhos autênticos que são brasileiros, em vez de tentar produzir imitações de outros países.
Os vinhos tintos brasileiros que gostei mais são de castas portuguesas e italianas. O Brasil tem uma oportunidade de ser a referência no novo mundo dessas uvas, tem uma conexão histórica com Portugal e Itália e o mundo já tem suficiente Merlot e Cabernet Sauvignon, as quais são uvas francesas.
Pode falar um pouco sobre o seu trabalho? Como ele pode ajudar nossos leitores a comprar vinhos e a aprender sobre esse universo?
Meu trabalho é comercial e didático. Sou focado em vendas, a seleção de vinhos para o portfólio e gestão da equipe de vendas. Mas, como proprietário, estou envolvido em toda parte da operação.
Como professor da Enocultura em São Paulo, oferecendo cursos do Wines and Spirits Education Trust, eu aprecio a importância da educação de vinho para capturar clientes novos e introduzir profissionais para nosso setor.
Para quem que aprender sobre vinhos recomendo que você comece a estudar pelas variedades, e depois comece a entender como cada região produz vinhos dessas uvas com caraterísticas diferentes. Inscreva-se em um curso de vinhos, participe de degustações e visite uma vinícola para tocar a terra e a planta e ver de onde vem esse produto mágico!
Quais os melhores lugares do mundo para se beber um vinho?
É muito especial tomar o vinho onde ele é produzido, com o enólogo, para entender melhor o vinho, sentir a natureza que criou o vinho, e ouvir as histórias sobre ele.
Vinho bom é melhor com comida. A maioria dos vinhos que abro, eu abro para tomar com comida.
E, em casa, com a família, lendo um livro ou conversando sobre seu dia, com uma taça de Pinot Noir – nada melhor que isso.
E quais os melhores lugares de Curitiba para comprar vinhos?
Rootstock Vinhos!