ESTILO BEBIDAS

Os segredos do QAP: o bar oculto da Casa Osten onde a mixologia vira arte

Mixologista da Casa Osten revela como cria coquetéis exclusivos - e ocultos - que misturam técnicas e ingredientes contemporâneos

Há lugares onde a bebida é apenas combustível social. E há lugares onde ela se transforma em narrativas, memórias e descobertas. No QAP, bar secreto da Casa Osten, hub de arte, gastronomia, luxo e experiências exclusivas em São Paulo, a mixologia ocupa um papel central na experiência de quem visita o espaço. Com uma carta de 47 drinks autorais e releituras, o espaço opera como uma extensão da filosofia omotenashi, conceito japonês de hospitalidade que permeia toda a casa, e propõe que cada gole seja um convite à imersão em sabores, texturas e histórias.

carta de drinks é desenvolvida pela chef de bar Isabelle Aymard, que comanda o balcão com atenção aos detalhes. Filha de mãe italiana e pai francês, cresceu entre culturas, mas foi na brasileira que encontrou sua maior identificação. Seu jeito próprio de olhar a mixologia aparece em cada coquetel elaborado por Isabelle: ingredientes asiáticos como sake, shochu, matcha, yuzu e shoyu dividem espaço com acerola, cambuci, maracujá e manteiga de garrafa. O resultado é uma carta que celebra duas geografias sem hierarquia, onde Japão e Brasil conversam em equilíbrio.

“Gosto de trazer algo diferente, um twist que surpreenda e melhore a experiência de quem está no QAP. Sempre que posso, trago ingredientes daqui para o cardápio. Principalmente quando recebo visitantes de outros países – quero que eles provem coisas que só o Brasil oferece”, diz a especialista.

A cultura japonesa funciona como eixo central do cardápio – e de toda a Casa Osten. Ingredientes típicos aparecem não como elementos decorativos, mas como base estrutural das bebidas. O Mizu, por exemplo, é uma releitura do vodka martini que incorpora vodka Haku, sake, licor de ameixa, jerez fino e alga nori com wasabi. A combinação mantém a elegância do clássico enquanto introduz camadas de umami e salinidade que remetem diretamente à gastronomia japonesa.

Outro exemplo é o Ramos Matcha, que transforma o tradicional Ramos Gin Fizz ao adicionar matcha premium da marca sul-coreana namu Matcha — a mesma utilizada nas bebidas do CREAM Café, outro espaço da Casa Osten. O resultado é uma bebida cremosa, levemente amarga e visualmente impactante, que dialoga tanto com quem conhece a versão original quanto com quem busca uma experiência nova.

A técnica sous vide, emprestada da alta gastronomia, aparece como diferencial na criação de infusões. Isabelle utiliza banho-maria com temperatura controlada para extrair sabores e aromas de ingredientes que, de outra forma, não se integrariam plenamente às bebidas. O processo pode levar até 24 horas entre infusão e descanso, mas garante texturas aveludadas e perfis de sabor impossíveis de alcançar por métodos convencionais.

A prioridade por ingredientes brasileiros se intensifica quando o bar recebe visitantes estrangeiros. Nesses momentos, Isabelle apresenta produtos que só o Brasil oferece, ampliando o repertório gustativo de quem está conhecendo o país. É uma forma de hospitalidade que vai além do serviço: é educar o paladar, compartilhar cultura, despertar curiosidade.

“A mixologia no QAP não é sobre exibicionismo técnico, é sobre criar conexões genuínas. Cada drink precisa fazer sentido dentro do que a Casa Osten representa: um espaço onde arte, cultura e gastronomia se encontram de forma natural. A Isabelle entendeu isso desde o início e trouxe para o bar a mesma sensibilidade que aplicamos em tudo aqui”, afirma Guilherme Deodato, responsável pela Casa Osten.

Quando a arte se transforma em drink

Mensalmente, a Casa Osten inaugura uma nova exposição de arte contemporânea em um espaço exclusivo dedicado a valorizar talentos nacionais e internacionais. E a cada abertura, Isabelle desenvolve um coquetel autoral inspirado na obra e na trajetória do artista. O processo envolve conversas, análise das peças, compreensão das referências visuais e emocionais que permeiam o trabalho. O resultado é uma carta viva, que se atualiza conforme a programação cultural da casa e oferece ao público uma segunda camada de leitura sobre a arte exposta.

O Espírito do Norte nasceu da exposição de Dante Horoiwa, quando o artista descobriu que suas raízes familiares vinham do norte e nordeste do Japão. Isabelle traduziu essa revelação em um drink que une shochu, sake, vodka infusionada com chá oolong, mirtilo, cereja, manteiga de garrafa, yuzu e shoyu destilado. A infusão sous vide de oito horas, seguida por mais oito horas de descanso, cria uma textura aveludada pela manteiga — uma escolha que remete ao terroir nordestino brasileiro e ao mesmo tempo dialoga com a delicadeza da culinária japonesa.

Já o Akai Ito, criado para Rafael Hayashi, faz referência ao fio vermelho do destino, lenda japonesa que conecta pessoas destinadas a se encontrar. O drink combina tequila, whisky, amaro Montenegro, Campari, vermutes e um toque de defumado do Laphroaig, construindo camadas que evocam tanto a complexidade da narrativa quanto a paleta de cores da obra do artista.

Para a exposição de Kaori Nakata, o Crossroads mistura Glenfiddich 12, vermute, sake e hoshigaki com matcha — um encontro entre Escócia e Japão que reflete a própria trajetória da artista, marcada por deslocamentos e fusões culturais.

“Quando você cria um drink para um artista, não está apenas fazendo uma bebida temática. Está traduzindo história, emoção e estética em outra linguagem. É um exercício de escuta e síntese. E a Isabelle faz isso com uma naturalidade impressionante, porque ela entende que o bar é parte da narrativa maior da Casa Osten, não um espaço isolado”, completa Deodato.

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Além dos autorais vinculados às exposições, o cardápio conta com releituras de clássicos e 11 drinks ocultos, servidos apenas sob demanda. Entre eles estão Manhattan, Margarita, Mojito e Basil Smash, preparados com a mesma técnica aplicada aos autorais. A estratégia preserva o foco nas criações que carregam a identidade do QAP, sem deixar de atender quem busca referências mais diretas.

O bar também oferece três mocktails — coquetéis sem álcool — como Ginger Lemonade, Passion Mate e Cupuaçu + Matcha, este último ainda em fase de teste. A proposta é garantir que todos tenham acesso à mesma experiência sensorial, independentemente do consumo de álcool. “Para chegar ao cardápio, testamos o drink extensivamente para que atenda a padrões rigorosos de qualidade e para que se conecte conceitualmente com a carta”, diz Isabelle.

Com capacidade para 20 pessoas e ambiente íntimo, o QAP funciona como contraponto à luminosidade do CREAM Café. É um espaço onde a penumbra valoriza conversas baixas, encontros entre amigos e a descoberta de sabores que, muitas vezes, não cabem em nomenclaturas convencionais. Cada drink é uma porta de entrada para esse universo — e a melhor forma de entender o que acontece ali ainda é sentar-se ao balcão e deixar a mixologista guiar a experiência.

Serviço

Endereço: Rua Henrique Schaumann, 170 – Pinheiros, São Paulo
Horário: de segunda a sábado, das 9h às 18h
Entrada gratuita
Mais informações: www.casaosten.com.br