ESTILO BEBIDAS

Um costume milenar

Assim como a gastronomia, a arte de misturar insumos e produzir drinks vem de milhares de anos

Cozinhar é uma arte. Misturar ingredientes e obter novos sabores, um mais harmonioso do que o outro, é, de fato, para poucos. No entanto, assim como a gastronomia merece atenção, a mixologia também é uma área digna de observação e testes.

Definida como o estudo da formulação de coquetéis a partir de técnicas que antes eram comuns apenas nos pratos, a prática nasceu há cerca de 1.500 anos. Segundo o Difford’s Guide, a “bíblia” inglesa da coquetelaria – escrita por David Wondrich –, o primeiro drink do mundo surgiu na Índia. Conhecido como Punch, acredita-se que essa bebida tenha sido feita por marinheiros britânicos.

Drink com whisky e pimenta, servido como Old Pepper no Five Lounge
Drink com whisky e pimenta, servido como Old Pepper no Five Lounge (Foto: Rafael Graminho)

O bartender Guilherme Grudina explica que a coquetelaria ficou realmente famosa nos Estados Unidos, no século XX. “Com a Lei Seca [lei federal que entrou em vigor em 1920 e proibia a produção, o transporte e a comercialização de bebidas alcoólicas], o álcool ilegal que era produzido no país era de baixa qualidade e, para que isso se tornasse mais agradável para beber, outros insumos eram misturados com a bebida”, explica.

O mercado americano, nesse período, acabou perdendo diversos profissionais para países da Europa e de Cuba, já que eram lugares em que a coquetelaria – e o álcool – eram de interesse do público. O consumo de álcool foi novamente permitido nos EUA em 1933. Contudo, Grudina explica que foi nos anos 1980, na “Era Disco”, que os drinks voltaram com mais força. “Na disco music, a procura por coquetéis ficou mais evidente, só que por conta da agilidade e do atendimento rápido. Por isso, era feita uma mistura simples, com sucos de caixa, sem padrão de qualidade, apenas com mais praticidade”, relembra o bartender.

Affinity é o drink do Five Lounge que contém insumos como azeite balsâmico na mistura
Affinity é o drink do Five Lounge que contém insumos como azeite balsâmico na mistura (Foto: Rafael Graminho)

Esse cenário começou a mudar com o famoso Cosmopolitan. De acordo com o Difford’s Guide, a bebida foi inventada pela bartender Cheryl Cook enquanto ela era head do bar The Strand, em Miami. No entanto, foi nas mãos do conhecido bartender Dale DeGroff que o drink “estourou”. Ele criou sua própria versão e, após a cantora Madonna ser fotografada tomando a mistura, a bebida se tornou uma das mais conhecidas do país e do mundo.

O Cosmopolitan continuou sendo um sucesso também nos anos 2000, graças à inserção do drink no estilo de vida das personagens principais da série Sex and The City. O filme – derivado do seriado –, de 2008, encerra com uma cena na qual as protagonistas se perguntam por que nunca haviam parado de tomar aquele coquetel.

MIXOLOGIA NO BRASIL

De drinks, o brasileiro entende – e a caipirinha está aí para mostrar isso. Sendo uma das marcas registradas do país, a bebida foi uma das primeiras a serem inventadas em solo tupiniquim, no século XIX.

A forma de sua criação, no entanto, diverge. De acordo com o Instituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC), a bebida surgiu de uma mistura popular paulista de mel, limão e alho para combater a gripe espanhola. Por volta de 1918, passou a conter cachaça em sua composição. Ao Difford’s Guide, o diretor da IBRAC, Carlos Lima, disse que, um dia, alguém trocou o mel por açúcar e tirou o alho da composição: “O gelo veio em seguida, para espantar o calor.”

Apesar de muito conhecida e consumida no país, a caipirinha não conseguiu tornar o consumo de drinks muito popular entre os brasileiros. De acordo com o último Relatório Global sobre Álcool e Saúde, da Organização Mundial da Saúde (OMS), a bebida alcoólica mais consumida no Brasil é a cerveja (62%). Em seguida, vêm os destilados (34%) e, depois, o vinho (3%).

No entanto, os cocktails ganharam destaque e começaram a ser mais consumidos nos últimos anos. Essa mudança inspirou profissionais da mixologia a embarcar nos estudos da área e criar novas combinações.

“O Macunaíma” é um drink inspira – do no livro de Mário de Andrade. Ele foi criado em São Paulo, no bar Boca de Ouro. Leva, basicamente, ingredientes nacionais – e a coisa pegou. É um clássico meio underground”, exemplifica Grudina.

NOVOS CAMINHOS E INGREDIENTES

O mercado brasileiro tem se mostrado atraente para os especialistas da área e, por isso, o mixologista do Five Lounge, Ariel Todeschini, afirma que começou na profissão há sete anos. Ele revela que já criou, em média, 100 novos drinks neste ano.

Apesar do número grande, Todeschini pontua que é possível resumir todos os coquetéis existentes em seis receitas de base. “É como na gastronomia. Você tem a estrutura e é só segui-la. É como montar um risoto: já há uma estrutura definida, você só trabalha em cima dela”, ilustra.

Sobre novos drinks, Todeschini fala sobre a dificuldade, já que há diversos profissionais fazendo essa produção e, por isso, gosta de trabalhar com insumos inusitados. “Gosto de usar ingredientes que não são tão usuais dentro de um balcão. Isso traz uma experiência diferente e eu acho que esse é o meu segredinho”, declara.

Usar diversas frutas locais, transformando-as em líquido de uma maneira diferente, também tem sido um caminho para ele. “O que me agrada é fazer cordial. Cordial é meio que um xarope com soluções de ácido para gerar complexibilidade para a bebida. Geralmente, é uma mistura de ácido cítrico, málico tartárico, água, açúcar e algum insumo”, elucida.

Sobre o gosto dos clientes, ele revela que os insumos mais queridinhos do público são o gengibre e o morango. Coincidentemente, um dos drinks exóticos que Todeschini gosta de preparar é o de morango com zatar. “O zatar é um tempero árabe que combina muito com o morango. Então, fica uma mistura diferente, que instiga. Afinal, o importante é gerar curiosidade na pessoa”, conclui.

*Matéria publicada na edição #266 da TOPVIEW

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