Pratos e ingredientes da vez
por Yasmin Taketani
Curitiba reuniu em setembro grandes nomes da gastronomia nacional e local no Mesa ao Vivo Paraná. Realizado pela revista Prazeres da Mesa, o evento aconteceu no MON e promoveu aulas-show (com direito a selfies com os chefs e mesmo autógrafos) e evidenciou uma gastronomia que articula com inteligência tradição e inovação, riquezas locais e consciência socioambiental.
Destacamos as principais tendências, que logo poderão – ou já podem – ser vistas nas mesas dos melhores restaurantes de Curitiba e do Brasil.
Regional
O tema proposto pelo Mesa ao Vivo – “De Leminski a Niemeyer: uma cozinha poética e concreta conquista o Brasil” –, além de chamar atenção para a valorização das tradições e dos produtos brasileiros, incitou os participantes a fazer o mesmo com os sabores paranaenses.
Do barreado ao pão no bafo, com direito a interpretações mais modernas do pinhão, do siri de Antonina ou do robalete (peixe da baía de Guaratuba), chefs aplicaram tanto criatividade quanto técnicas tradicionais, sem esconder seu entusiasmo pelo movimento. “Temos um mundo que está sendo descoberto.
É uma fase muito excitante, legal, viva”, comemorou Marcelo Amaral sobre o reencontro entre a gastronomia local e a do Paraná. O chef do Lagundri, entretanto, ponderou que o estado, ao contrário de Minas Gerais e São Paulo, ainda está em fase de detectar sua identidade gastronômica, para então preservá-la.
Nacional
Em um espectro mais amplo, a valorização do produto brasileiro também se mostrou unânime entre os chefs. “Foi um grande abrir dos olhos que os cozinheiros tiveram. Antes, o que era bom era o que vinha de fora”, lembrou a pâtissière Lia Quinderé, ressaltando o protagonismo de Alex Atala.
Por outro lado, Ivan Lopes, cuja gastronomia sempre mexeu com ingredientes de diversas regiões, aponta entraves em logística, impostos e burocracia. “Uma mercadoria que é produzida no nosso país às vezes é mais cara do que um produto importado”, criticou. “Para a culinária brasileira crescer, o governo precisa facilitar.”
Sustentabilidade
Na esteira da valorização dos ingredientes está a aproximação dos pequenos produtores. São cozinheiros que buscam, claro, produtos de qualidade e de procedência confiável, mas também contribuir para uma cadeia sustentável.
É o caso de Lênin Palhano, cujo recém-inaugurado Nomade trabalha com três ingredientes – rapadura, couve-flor e carne de porco –, todos de pequenos produtores locais. “Como nós, profissionais, ajudamos um produtor? Comprando, essa é a primeira instância”, explicou Palhano, citando a rapadura do Vale do Ribeiro, cujo hábito de consumo e, consequentemente, produção estavam se perdendo.
Valorizar esses ingredientes, além do benefício social e ecológico, parece estimular a criatividade, vide as três versões de couve-flor que o chef exibiu num mesmo prato: desidratada, como purê liso e purê rústico.
Tradição e tecnologia
O entusiasmo exagerado pelo novo e a falta de domínio de técnicas tradicionais foram alvo de críticas. Mara Salles, do paulistano Tordesilhas, abordou o tema falando do barreado. “As pessoas têm usado a panela de pressão, isso é uma perda irreparável”, criticou, defendendo a panela de barro. “É um prato símbolo, delicioso… E essa sutileza você só consegue com essa técnica, esse cozimento lento”, justificou.
Além do sabor, Mara, que se especializou em comida brasileira, ressalta que há significado, história e memória na gastronomia. E citou Rui Barbosa para sensibilizar o público, formado sobretudo por cozinheiros e estudantes: “Um país sem memória não é só um país sem passado, é um país sem futuro”. O equilíbrio, segundo a chef, é utilizar o recurso mais apropriado – seja antigo ou novo –, sem radicalismo, para conseguir o prato perfeito.
Cozinha afetiva
A aula-show de Manu Buffara foi permeada por histórias de família e casos relacionados a seus fornecedores. O novo menu de seu restaurante, o Manu, foi inspirado na recuperação de técnicas e sabores antigos, com a ajuda da avó. “Às vezes a gente esquece a coisa antiga, que é o mais importante”, avaliou a chef, lamentando a perda do costume de buscar tradições (e receitas) familiares.
O resultado são pratos contemporâneos e de apresentação delicada, como carpaccio vegetal ou carré de javali. Difícil mesmo, segundo ela, é “superar a memória de um prato pelo qual se tem carinho”.
De forma similar, a proximidade com pequenos produtores acaba servindo de inspiração para a chef. Um deles reclamou da subutilização da sardinha; outro pediu que a chef aumentasse o pedido de morango: daí surgiram o gaspacho de morango e um snack que mescla sardinha e mousse de chocolate desidratada.
Laboratório
Assim como o Manu fecha as portas às segundas-feiras para se debruçar sobre a pesquisa, ou como Lia Quinderé elabora uma árvore genealógica de produtos para criar uma nova sobremesa, Bárbara Verzola e Pablo Pavón fazem da cozinha praticamente um laboratório.
A novidade da dupla, à frente do Soeta, em Vitória (ES), é um menu degustação inspirado na comida de boteco: um cogumelo gigante cultivado na região substitui o pão numa versão do misto-quente, o pão de alho é acompanhado por coração de frango grelhado ao molho de chimichurri, a cachaça encontra a cerveja no drinque de boas-vindas, uma caipira com espuma de cerveja. “A gastronomia atual nos permite dialogar com outras áreas”, afirmou Bárbara, que vê como desafio fazer um prato simples mas que surpreenda.
Cozinha pioneira
Um dos pioneiros na promoção do ingrediente regional, do pequeno produtor e da sustentabilidade – como já foi mostrado nas páginas da TOP VIEW – é o chef André Furlaneto, da Cantina Casa Verde (Antonina). Ele esteve no Melhores da Cidade, uma seleção de estabelecimentos reunidos para degustação no evento.
E surpreendeu o público com uma sobremesa de maná-cubiu e barrilheira, típicos da região que se planeja chamar “Território da Serra do Mar” e que vai envolver restaurantes e produtores de Antonina, Morretes, Quatro Barras, Campina Grande do Sul e Guaraqueçaba. “O marco zero é deslocar pessoas, não produtos”, explicou Furlaneto sobre o projeto de consolidar a região como um polo gastronômico.
Ingredientes da vez
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Favo de mel: é o que encanta Ivan Lopes no momento. Recentemente, o chef havia preparado uma emulsão de mel com cachaça servida com ostra. “Eu não conseguia parar de comer”, brincou. Outro favorito é o fruto da pupunha, que incluiu até mesmo na panzanella, uma salada italiana, substituindo a azeitona.
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Krem (raiz forte): é a aposta de Marcelo Amaral, que trabalha muito com curry: “Pra mim, é o nosso wasabi, o wasabi que temos no Paraná. É uma herança e tem que ser usada”.
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Rapadura: Lênin Palhano, que está explorando novas possibilidades com o produto do Vale do Ribeiro, planeja um sorvete de rapadura.
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Murici e jabuticaba: Lia Quinderé prefere sempre ingredientes da sua região. Atualmente, o murici e a jabuticaba desafiam a criatividade da chef pâtissière do Sucré.
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Farofa: três chefs abriram a mente dos espectadores para as possibilidades da farofa: de castanha com coco, feita com manteiga de garrafa (Ivan Lopes); doce, de farinha d’água e limão (Lia Quinderé); de banana-da-terra, para acompanhar o camarão (Washington Silveira).