Urbanismo vivo: cidades para um futuro mais humano
O urbanismo sempre foi uma tradução viva dos valores do seu tempo. Quando Lúcio Costa projetou Brasília, ao lado de Niemeyer, o Brasil dos anos 1950 sonhava com a razão e a monumentalidade. Surgia uma cidade funcional, setorizada, orientada ao automóvel — herdeira do modernismo. Chandigarh, na Índia, assinada por Le Corbusier, e Canberra, na Austrália, por Walter Burley Griffin, também nasceram de traços amplos, avenidas largas e hierarquias bem marcadas.
Hoje, o urbanismo ressignifica perguntas e respostas. O futuro pede cidades próximas, flexíveis, acolhedoras. Barcelona, que carrega o legado de Ildefons Cerdà e se reinventa com as superquadras de Salvador Rueda, prioriza o pedestre e a convivência. Paris, de Haussmann, agora revisitada pelo conceito da “cidade de 15 minutos” do colombiano Carlos Moreno, costura mobilidade e bem-estar no cotidiano. Curitiba, guiada por Jaime Lerner a partir de 1960, integrou transporte, áreas verdes e uso misto antes de quase
todas as outras.
Ao longo das últimas décadas, vozes como Jane Jacobs e Jan Gehl transformaram o olhar sobre a cidade. Jane, ao defender a diversidade de usos e a vitalidade das ruas, e Gehl, ao priorizar a caminhabilidade e a interação social, ajudaram a reconectar a arquitetura e o urbanismo ao seu sentido mais humano. Essa perspectiva inspirou iniciativas que recuperam o espírito comunitário como essência de bem-estar — e moldam bairros inteiros para a convivência.
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No Brasil, novos bairros apontam caminhos para um urbanismo do nosso tempo. O Eurogarden, em Maringá, propõe ser o bairro mais sustentável do mundo, com soluções tecnológicas para reduzir impactos ambientais. O Viva Park, em Porto Belo, foi reconhecido por premiações internacionais, conquistou certificações e é assinado pelo escritório do nosso grande mestre Jaime Lerner, unindo natureza e urbanismo e elevando a qualidade de vida. Já o CSul Lagoa dos Ingleses, em Nova Lima, apresenta-se como o maior projeto de desenvolvimento urbano da América Latina, apostando em tecnologia, mobilidade e inclusão econômica regional.
Planejar cidades não é apenas desenhar ruas. É redesenhar relações: entre pessoas, entre natureza e concreto, entre trabalho e lazer. É projetar bairros para encontros, integração e resiliência climática. Na arquitetura, isso reflete em edifícios abertos ao entorno, fachadas vivas e espaços que estimulam conexões. No cotidiano, significa mais saúde física e mental, mais comunidade e mais segurança afetiva. E, assim, cria-se um urbanismo capaz de ser, ao mesmo tempo, atemporal e sempre atual — porque fala do desejo profundo de pertencimento.
No fim, pensar o urbanismo é refletir sobre como queremos viver juntos. E, nesse gesto, mora a maior tendência para qualquer tempo: projetar futuros verdadeiramente humanos.
*Matéria originalmente publicada na edição #303 da TOPVIEW