Uma dança entre os fios
Cris Agostinho é uma artista plástica capaz de se expressar por meio de diferentes técnicas e mídias. Desde 2002, executa delicados e etéreos bordados sobre voile. O tecido transparente funciona como um suporte contingente, permitindo inúmeros atravessamentos. Frente e verso são entregues simultaneamente na composição da obra. Os fios bordados pela máquina não escondem seus nós, pontos e emaranhados.
Linhas equívocas, que se confundem com riscos de um desenho, sendo ao mesmo tempo matéria, levadas ao ápice de sua ambiguidade, com a preferência da artista por desenhar e bordar tranças e cabelos, que, por vezes, escorrem para além dos limites do tecido de suporte, em uma intrigante fisicalidade. Linhas de pontas soltas que apontam para uma permanente transitoriedade, como registro de uma história que ainda está sendo costurada. Nos seus trabalhos, tudo é leve, econômico e sensível.
A temática feminina vai das cenas cotidianas a narrativas simbólicas e oníricas extraídas do seu imaginário. Neste momento de revalorização dos têxteis na arte contemporânea, torna-se importante revisitar o trabalho dessa importante artista. Boa fruição!
No final dos anos 1980, havia uma turma muito unida: Paolo Ridolfi, Zulmira Amaral, Fúlvia Marchese, Vera Helena, Roberta Fortunato, entre outros artistas que fizeram parte da não oficial geração 80’s. Todos compunham o grupo de artistas que deram o start à Casa Triângulo, que, já naquela altura, mostrava a que veio. Nesse ambiente, amigos e conhecidos artistas, como Dora Longo Bahia, Leonilson e Leda Catunda, transitavam contaminando suas experiências com essa turma, com a qual me aproximei nos anos 1990. Meu trabalho, com um forte sentido na representação, foi exposto na Casa Triângulo em 1993, junto com Sandra Cinto. Muitos retratos e autorretratos compunham imagens e desejos que, desde então, estão presentes na minha trajetória. O fato de ir morar no interior, de me ver com uma dificuldade de diálogo com meus pares, por conta da distância ou pelo fato da vida ter seguido rumos que, tantas vezes, não nos damos conta da razão, fez com que outras vias se construíssem, influências tantas, mas sem perder o ponto de partida, a representação.
Os bordados e experimentações com os tecidos e instalações ganharam espaço por volta do começo dos anos 2000 e, desde então, trabalho com essas possibilidades e outras, inclusive vídeos, que formam um caldeirão em que tenho cozinhado ao longo desse tempo – até hoje. Nessa feitura, incansável, aparecem rostos, coisas e pessoas, que, por vezes, é carne, por vezes é lembrança, às vezes é busca. A linha sugere leveza, fluidez, talvez espiritualidade. Seres fluidos e um vazio deixado por eles. Já a pintura busca uma relação quase tátil com o presente. Uma proximidade com a finitude humana. Então, enquanto nos bordados a mente viaja para outros tempos, a pintura traz a condição do agora. E todos os dias refaço esse processo, manipulando essas e outras condições, que, às vezes, contrapõem-se, às vezes, complementam-se.
Atualmente, tenho me dedicado à pintura dos ‘’panos’’. É um resgate de um trabalho que surgiu no fim dos anos 1990, e que, agora, retomo com uma outra postura, outro olhar. Do desenrolar de um exercício, percebi o estudo cada vez mais interessado no que a pintura oferece, como sombra, luz, movimento, direção, vibração e cor. Esse processo me levou a pensar na forma abstrata sugerida em contraponto com o objeto em observação à minha frente. Já ocorreu de, nestes panos, inserir alguns elementos, como pequenos animais e joias. É sempre uma surpresa, pois meu acervo de símbolos está sempre me rodeando, em toda forma de arte que eu manipulo, como as pinturas, bordados e videoartes, que, hora ou outra, estou desenvolvendo.
Cris Agostinho
Natural de Portugal, 1967. Formada pela Faap e pela Belas Artes de Lisboa em Artes Visuais. Com exposições em todo o Brasil, por meio de editais de cultura ou projetos privados em coletivas ou individuais, sempre explorando tanto a pintura como os bordados em voile, instalações e videoartes. Já trabalhou em parcerias com vários artistas e por mais de 20 anos com Paolo Ridolfi em diversos projetos na área de cenário e figurino, vitrines e adereços. Desde 2013, oferece aulas de desenho, pintura e processos criativos em seu ateliê e online. Vive e trabalha em Maringá.
*Matéria originalmente publicada na edição #260 da revista TOPVIEW.