Minha arquitetura, minha história
Se os prédios de Curitiba falassem, o difícil seria fazê-los calar. Eles contariam a história dos primeiros habitantes da Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais – primeiro nome dado à capital paranaense – e dos imigrantes que chegaram às terras paranaenses e foram reconstruindo uma nova vida na região.
Contariam, ainda, os feitos militares e econômicos históricos. Explicariam como a cidade começou a expandir
para além do Centro e, com uma gestão governamental, seguiu por um caminho arquitetônico que ficou conhecido em todo o território nacional.
Desconstruindo a ideia de que “falar” é algo restrito apenas a palavras de fato, os prédios de Curitiba não apenas falam, mas também escancaram a história e a construção de uma metrópole. Por meio de suas linhas, formas, estilos e materiais, eles demonstram o quanto sua arquitetura e seu povo são ecléticos.
“Nós conseguimos ter, em uma única cidade, uma grande diversidade de estéticas. E o mais interessante é que
ela consegue acomodar muito bem isso, não com uma zona somente colonial, por exemplo. No Largo da Ordem, onde temos projetos históricos, também temos projetos muito atuais. Curitiba consegue assimilar bem o desenvolvimento”, afirma o arquiteto e idealizador do projeto Prédios de Curitiba, Guilherme de Macedo.
Tudo começou com a fundação da cidade, na data oficializada como 29 de março de 1693. O capitão Matheus Martins Leme promoveu a primeira eleição para a Câmara de Vereadores e a instalação da vila (como exigiam as Ordenações Portuguesas). Na época, a região era habitada por apenas 90 famílias – grande parte que se fixou no local em busca de ouro.
No entanto, em 1721, quando a população chegava a 1,5 mil habitantes que viviam apenas por meio de regras de
sobrevivência, o ouvidor Raphael Pires Pardinho, primeira autoridade da Coroa que visitou pessoalmente o que hoje é o estado do Paraná, veio para ajustar as normas para se viver em sociedade.
Além de estabelecer diretrizes sobre os trâmites jurídicos e ser uma das primeiras autoridades do local a se preocupar com o meio ambiente da cidade – determinando que os habitantes só fizessem o corte de árvores em áreas delimitadas –, ele alertou a população sobre as edificações, pontes, aberturas de estradas e a construção de praças. Naquele período, as habitações eram construídas com materiais encontrados ao redor, como madeira, barro, taquara e pedra.
Nesse contexto, foi construída o que hoje é reconhecida como a primeira edificação de Curitiba, a Igreja da Ordem, também conhecida como Igreja da Ordem Terceira de São Francisco das Chagas, segundo a arquiteta e urbanista
e coordenadora do Patrimônio Histórico do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), Maria Paula Motta.
“A edificação mais antiga de Curitiba é a Igreja da Ordem, construída pelos portugueses em 1737. Em 1834, uma parte dela desmoronou e, somente em 1880 ela foi restaurada, para a vinda do imperador Dom Pedro II”, descreve.
Na restauração, foi feita também uma modificação de linguagem na arquitetura da igreja, de Colonial para Neogótica
– um reflexo da mudança cultural na sociedade curitibana da época. O período foi marcado pela presença de muitos imigrantes, em especial os alemães.
Esquecida pelos governantes da Capitania de São Paulo – já que Curitiba era uma Comarca da Província de São Paulo no período imperial –, os habitantes da região passaram por um período de extrema pobreza. No entanto, com o tropeirismo, a cidade passou por um período de prosperidade.
“Em função dos tropeiros, a cidade começou a se desenvolver de uma forma atrativa. No entanto, foi só em 1900 que Curitiba começou a ter grandes casarões e os andares começaram a subir, para dois, três andares”, conta Guilherme.
Influenciada pelos imigrantes, a arquitetura passou a ficar muito eclética. No entanto, em 1940, o setor de construção rompeu com essa característica e passou a ficar mais funcionalista, com linhas mais neutras.
“É nesse período que Curitiba começa a “subir” e, com mais tecnologias de construção, começam a ser construídos prédios como o Edifício Marumby e o Tijucas, vistos como arranha-céus de Curitiba na época”, afirma o arquiteto.
Neste período, conforme Guilherme, a capital paranaense passa a se tornar uma cidade cosmopolita e com várias funções e planejamentos urbanos. Um ponto importante para o desenvolvimento urbano de Curitiba foi o movimento modernista, que começou na década de 1950, segundo a arquiteta do IPPUC.
“O Centro Cívico foi o primeiro movimento modernista cívico do Brasil, antes de Brasília. Os governantes tinham uma visão moderna para a cidade e tomaram decisões relevantes para que isso ocorresse”, diz Maria.
Criação do curso de arquitetura em Curitiba
Apesar de resguardar uma forte história arquitetônica, a “Cidade Sorriso” teve um salto na área quando o primeiro
curso de arquitetura foi criado, na Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 1962.
“Esses novos arquitetos viam as fotos e queriam reproduzir aquela arquitetura por aqui. Lolô Cornelsen e Rubens Meister foram dois arquitetos que trouxeram essa influência modernista que estava acontecendo fora do Brasil”,
completa a arquiteta.
Para Guilherme, esse foi um dos momentos arquitetônicos mais importantes para Curitiba, representando o auge da arquitetura moderna. Alguns dos nomes importantes da época foram Rubens Meister – que trouxe o estilo brutalista
–, Onaldo Pinto de Oliveira, Lubomir Ficinski Dunin, Alfred Willer, Marcos Prado, Leo Grossman, José Maria Gandolfi, Joel Ramalho Júnior, Luiz Forte Netto, Roberto Luiz Gandolfi e Jaime Lerner.
Porém, o idealizador do Prédios de Curitiba indica que, após a década de 1970, com a industrialização, os
projetos arquitetônicos passaram a ficar muito parecidos, com os mesmos atributos. E, somente agora, algumas características mais únicas estão sendo resgatadas. “Eu diria que nos últimos cinco anos a arquitetura curitibana voltou a dar valor para o autoral”, reflete ele.
O futuro da arquitetura Curitibana
Alinhado com a opinião de Guilherme, o arquiteto e colunista da TOPVIEW Marcos Bertoldi afirma que, atualmente,
há uma revalorização de projetos mais autorais, em que a presença do arquiteto fica mais evidente. “Um trabalho mais inovador, elegante, bem construído, com materiais adequados, sem exageros, sem exibicionismo ou espalhafatoso”, julga.
Para o futuro, Bertoldi aponta que estarão em alta as demandas mais sofisticadas e autorais. “As incorporadoras perceberam isso e agora buscam algo menos genérico, com menos carimbos ou cópias de trabalhos internacionais. O que eu vejo também, ainda em uma escala pequena, são trabalhos nos quais o arquiteto pode se expressar de forma efetiva”, observa.
Juliana Cararo, professora do curso de Arquitetura e Urbanismo e coordenadora pedagógica do curso de Pós-graduação em Design de Interiores da PUCPR, afirma que o ato de comunicar em arquitetura tem se modificado.
Além disso, ela entende que a academia fez uma mudança pedagógica, que permite uma formação de competência
que não envolve apenas uma questão técnica. “Há a necessidade de uma formação mais humana, que olhe para os problemas reais e que esses profissionais sejam mais conscientes”, finaliza a professora.
Conheça a história de prédios históricos de Curitiba
Solar do Barão
Símbolo do período imperial curitibano
O ano era 1880 e a história da região de Curitiba era escrita, principalmente, por meio da erva-mate. Essa fase, inclusive, era considerada o apogeu do ciclo ervateiro paranaense, quando a planta tornou-se o principal produto da economia do estado e um dos principais do Brasil.
Nesse contexto, muitos dos nomes conhecidos da alta sociedade curitibana estavam relacionados com esse comércio, como Ildefonso Pereira Correia – também conhecido como Barão do Serro Azul. Ele era o maior exportador de erva-mate do Paraná e o maior produtor no mundo. Também foi um grande político e intelectual do segundo Império.
Tamanho seu prestígio, o Barão do Serro Azul decidiu construir uma casa que fizesse jus ao seu título. O Solar do Barão começou a ser construído em 1880 e somente em 1884 foi finalizado, às vésperas da visita da princesa Isabel, filha de Dom Pedro II, e de Conde D’Eu a Curitiba, em dezembro de 1884.
A arquitetura da edificação é em estilo eclético, mas com nítidos traços neoclássicos. O palacete colado à rua tem três andares, com 12 janelas frontais, que são detalhes que chamam a atenção, por remeterem à fachada do Partenon, templo grego erguido no século V a.C.
Após a trágica morte do Barão em 1894, durante a Revolução Federalista, o local passou a abrigar a baronesa e seus filhos. Depois, o palacete pertenceu ao Exército Nacional e, em 1975, foi adquirido pela Prefeitura Municipal de Curitiba e foi revitalizado.
O prédio se tornou o complexo cultural Solar do Barão e, hoje, há inúmeros artigos históricos da cidade, além de sediar o Museu do Cartaz, a Gibiteca e o Museu da Fotografia.
Castelo do Batel
Reis e rainhas curitibanos
Concluído em 1928 após quatro anos de obras, o Castelo do Batel é um símbolo arquitetônico não só para a sua época, mas também nos dias atuais. Cidadão de muitas posses, a ideia de construir o ícone da região veio de Luiz
Guimarães, um cafeicultor e cônsul honorário da Holanda que costumava viajar muito para a Europa.
Fascinado pelos castelos franceses da região do Vale do Loire, Guimarães resolveu construir seu próprio castelo na capital paranaense. Segundo seu próprio relato, foi seu amigo, o arquiteto Eduardo Fernando Chaves quem projetou e dirigiu a construção do castelo.
Orgulhoso por concretizar um sonho, Guimarães destacou a importância da edificação para a história arquitetônica brasileira: “Só algum tempo depois, famílias poderosas do Rio [de Janeiro], Recife e São Paulo realizaram construções grandiosas, mas nenhuma de estilo tão puro e aprimorado”, relatou o cafeicultor.
Com 1 mil m² de área construída, a pintura interna do castelo foi feita por dois artistas europeus. Os materiais utilizados também foram exportados de países europeus: as telhas planas de fibrocimento vieram da Bélgica, as louças sanitárias do fabricante francês Jacob de Lafont, e a tapeçaria e ornamentação interna de Paris.
Tão bela e importante é a edificação que, além de ter se tornado a residência do ex-governador do Paraná, Moysés
Lupion, em 1947 o Castelo do Batel foi tombado pelo Patrimônio Histórico do Estado do Paraná.
Oito décadas depois de sua concepção, se tornou um centro para eventos, sendo cenário de festas importantes para
a sociedade curitibana.
Edifício Moreira Garcez
O arranha-céu do Paraná
Considerado o terceiro maior arranha-céu do Brasil – depois do Martinelli, em São Paulo, e do edifício do jornal “A Noite”, no Rio de Janeiro –, começou a ser construído no início do século XX.
Apesar de a obra ter sido iniciada em 1927, sua conclusão se deu em três etapas. A primeira foi inaugurada em 1933,
com cinco andares e um subsolo. Em 1937, o edifício atingiu seu sexto andar e somente 20 anos mais tarde chegou
ao oitavo andar. Essas ampliações “espaçadas” aconteciam por conta de uma lei que oferecia dedução tributária para o prédio mais alto da cidade.
A construção do edifício foi inspirada no estilo art déco. No entanto, foram inseridos elementos paranistas, como
pinhões geometrizados na fachada e em detalhes internos nas esquadrias do átrio.
Localizado na esquina da Rua XV de Novembro com Voluntários da Pátria, foi sede de importantes instituições,
como a do Consulado da Alemanha e da Federação Paranaense de Futebol.
Em 1982, o imóvel estava deteriorado e foi adquirido pelo Grupo Hermes Macedo dando início a uma obra de restauração coordenada pelo arquiteto Eduardo Guimarães. Com a conclusão da restauração em 1988, o local foi relançado como loja de departamentos, levando o nome de Shopping Garcez. Hoje, funciona como uma das sedes da Uninter.
Edifício Marumby
O edifício das lendas
O nome dessa edificação foi inspirado nas montanhas Marumbi, no Paraná. Ela foi construída para ser o primeiro
arranha-céu residencial de Curitiba e, com seus “impressionantes” 12 andares, o edifício foi inaugurado em 1948.
Levantado pela Construtora Gutierrez, Paula & Munhoz, com projeto do arquiteto Romeu Paulo da Costa – profissional que contribuiu para a disseminação do ideário do Movimento Moderno em Curitiba –, os apartamentos residenciais são amplos, com dois dormitórios.
Situado na Rua XV de Novembro, o prédio possui marquises que percorrem todo seu perímetro. Sobre sua arquitetura, é possível ver que o arquiteto abandona os ornamentos, em busca de uma estética mais simplista. Desta forma, percebe-se o início da transição do artdéco para o modernismo.
No entanto, além de sua arquitetura exuberante, sobre o Marumby também pairam histórias que, hoje, podem ser difíceis de se acreditar. Como foi construído em um momento pós-guerra, há lendas que falam sobre a existência de um bunker no subsolo, projetado para servir como abrigo militar, no caso de um possível ataque.
Outro feito na edificação – dessa vez com fotos que comprovam o ocorrido – foi a travessia por uma corda de um equilibrista no topo, em 1952. O artista fazia parte do grupo de acrobatas alemães Zugspitz Artisten, que na década de 1950 se apresentou em diferentes locais de Curitiba.
Hoje, o Edifício Marumby segue como uma edificação residencial.
Edifício Eduardo VII
Um marco para o desenvolvimento da capital paranaense
Ícone do luxo em Curitiba, o Edifício Eduardo VII foi construído em 1954. Inspirado no Flatiron Building, primeiro arranha-céu de Nova York, o prédio possui linhas no estilo art déco e nasceu para abrigar o Lord Hotel.
Com o primeiro nome oficial de Edifício Miguel Calluf, o empreendimento foi encomendado pelo empresário libanês de mesmo nome – com projeto do engenheiro Ralf Leitner – após o governador Bento Munhoz da Rocha incentivar empresários a fomentar o desenvolvimento da capital.
O notável hotel surgiu para sediar grandes bailes de gala e, por isso, diversos equipamentos, como elevadores e maquinários industriais com o selo americano, foram encomendados especificamente para ele.
Aos 71 anos, em 1962, Malluf morreu e seu hotel passou a ser gerido por um grupo de portugueses, que começaram a chamá-lo de Edifício Eduardo VII. Em 2000, o prédio virou um local de alta rotatividade, até fechar. Desde 2008, o imóvel está desocupado, sofrendo invasões e depredações.
Em 2020, uma empresa paranaense afirmou que iria reformar e restaurar o prédio triangular em frente à Praça Tiradentes. Com o nome de Viva Curitiba, o local abrigaria apartamentos decorados e espaços de convivência nos 23 andares que ocupam os 8 mil metros quadrados no centro da capital.
Fotos:
Fundação Cultural de Curitiba | Coleção Synval Stocchero, Ministério Público do Paraná, Ricardo Perini, Pedro Ribas | SMCS, Acervo Vilanova Artigas, Eduardo Macarios, Acervo Casa da Memória | Fundação Cultural de Curitiba, Mayra Abalem, Museu da Imagem e do Som, Beatriz Silva Correia, Cwbtoday, Daniel Castellano, IPPUC, Loveliness Fotografia, Iko Fotografia, Washington Cesar Takeuchi, Juliana Vitulskis e Lucilia Guimarães
*Matéria originalmente publicada na edição #264 da TOPVIEW