O que a arquitetura colombiana pode nos ensinar sobre pertencimento e futuro
Em um momento em que a arquitetura global oscila entre a padronização estética e os apelos tecnológicos, a Colômbia desponta como uma referência que ainda se escreve com afeto, memória e escuta. É ali, entre montanhas, climas extremos e contrastes sociais, que emerge uma produção arquitetônica carregada de identidade e sensibilidade.
Conversei com o arquiteto colombiano Martín Mendoza, parte do prestigiado AD100 México & América Latina, cuja obra celebra o encontro entre o artesanal e o contemporâneo, o humano e o urbano, o técnico e o emocional.

Sua prática propõe um novo pacto entre arquitetura e vida: um pacto em que o espaço não apenas abriga, mas escuta, acolhe e transforma. Aqui, Martín nos mostra por que a Colômbia pode ser um farol para quem busca projetar com propósito e viver com beleza.
Arquitetura colombiana contemporânea: uma arquitetura humana
Para Martín, a essência da arquitetura colombiana contemporânea está no equilíbrio entre o manual e o tecnológico, entre a tradição e a reinvenção. “Há uma busca clara pela sustentabilidade, pelo uso de materiais honestos e por reinterpretar as tipologias tradicionais a partir de novas formas de habitar”, explica.
Mais do que estética, trata-se de uma arquitetura que entende o contexto como um ecossistema de relações entre paisagem, clima, sociabilidade e simbologia. “O pátio e o corredor são elementos ancestrais que seguem vivos e definem a maneira como socializamos”, reflete.

Martín destaca que há uma consciência crescente de que o edifício não pode mais ser entendido como um objeto isolado. A arquitetura passa a ser uma ferramenta de transformação social, especialmente em um país que carrega feridas históricas e complexidades territoriais. Nessa nova geração de arquitetos, o protagonismo não está no gesto autoral, mas na capacidade de criar vínculos e não impor formas.
O resultado é uma arquitetura mais potente, cada vez mais sensível e mais humana, valorizando não só o clima e a geografia montanhosa do país, mas sobretudo os modos de sociabilidade que fazem da Colômbia um lugar múltiplo e vivo.

Design autoral como escuta do cotidiano
Ao falarmos sobre o design autoral colombiano, Martín é enfático: trata-se de um design que não busca representar a identidade, mas permitir que ela emerja organicamente. “Não partimos de uma estética fixa. Partimos da vida: dos materiais que envelhecem com dignidade, das rotinas, dos gestos cotidianos.”
O barro, a madeira local, a cerâmica artesanal, elementos que carregam uma narrativa. E, diferentemente de outras arquiteturas latino-americanas, que se apoiam em ícones visuais ou referências estilísticas, a colombiana nasce em um território repleto de contrastes e complexidades. Isso demanda escuta ativa, flexibilidade e um olhar híbrido, onde o design é menos sobre soluções definitivas e mais sobre traduções sensíveis de diferentes vozes.
Em seu estúdio, assinado com seu sócio, o também arquiteto colombiano Jaime Ángel, a escuta do cliente e do entorno é a base do processo criativo. Não se trata de impor uma linguagem formal, mas de construir um vocabulário a partir dos materiais e da luz que entra em cada hora do dia, por exemplo. “O design autoral é, assim, uma tradução sensível de contextos afetivos, materiais e culturais, e não um manifesto visual”, defende Martín.
Habitar como experiência emocional e política
As viagens estão no centro das inspirações do estúdio de Martín e Jaime. Observar como outras culturas habitam, organizam seus espaços e atribuem significado ao cotidiano se converte em uma poderosa fonte de questionamento e criação.
“Isso nos ensinou que não há uma única forma correta de viver. E, paradoxalmente, nos conecta ainda mais com a Colômbia, um país que contém muitas Colombias dentro de si”, afirma. A vivência internacional não gera cópias, mas aprofunda o olhar para valorizar o local, reinterpretando-o com frescor, consciência e beleza.

Nos projetos residenciais do estúdio, habitar é muito mais do que ocupar um espaço físico, e a resposta se desenha em decisões com cozinhas abertas que celebram o valor coletivo da alimentação, varandas generosas que acolhem o ritual da chuva, salas que são também escritórios, espaços de encontros, quartos de hóspedes. Cada escolha é uma escuta do estilo de vida colombiano, marcado por uma convivência intensa, por um senso de improviso criativo e por um desejo profundo de pertencimento.
Para Martín, a qualidade de vida não está no luxo nem na metragem, mas na arquitetura que organiza a vida com beleza e sentido. Em um país onde o caos urbano muitas vezes é avassalador, o interior da casa se torna um espaço de refúgio emocional. E oferecer esse refúgio é um ato político.
Essa visão propõe uma arquitetura que emociona, que devolve dignidade às pequenas rotinas, que se coloca a serviço daquilo que há de mais íntimo e verdadeiro na vida das pessoas. Uma arquitetura latino-americana que olha para dentro com delicadeza e para fora com responsabilidade.
Arte, futuro e o poder de projetar vínculos
A prática de Martín não se limita à arquitetura no sentido tradicional. Seu trabalho transborda em colaborações com artistas, artesãos, designers e fotógrafos, onde cada projeto se torna um ecossistema criativo e sensível.
A arte, para ele, não é um complemento decorativo, mas uma forma de pensamento. As parcerias com o Alta Estúdio no design de luminárias, com ceramistas da região de La Chamba, com carpinteiros e ferreiros locais, com fotógrafos como Mónica Barreneche e artistas emergentes, revelam um processo onde o fazer coletivo é parte do projeto desde o início.

Esse fazer conjunto aponta para o futuro desejado pelo estúdio: projetos que integrem arquitetura, design e arte em todas as escalas. Espaços que não apenas funcionem ou impressionem, mas que emocionem e façam sentido para quem os habita.
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A visão de cidade que Martín propõe é de uma América Latina construída a partir do local, com responsabilidade ambiental, mas também com profunda sensibilidade humana. As cidades mais inclusivas e sustentáveis não serão feitas apenas de normas técnicas, mas de espaços que criam vínculos, que acolhem a diferença e que oferecem beleza como direito.

No fim, o que Martín Mendoza nos ensina é que a arquitetura, quando feita com escuta e compromisso, é uma poderosa forma de conexão. E que, talvez, seja justamente isso que mais precisamos agora: espaços que nos lembrem de que pertencemos.