Conheça três escritórios de arquitetura que vêm se destacando para além de Curitiba
ARQUEA
Quem passou pelo Largo da Ordem ou pelo Parque Barigui em abril deste ano pode ter se surpreendido: da fonte do Centro Histórico saía uma “cabeça” de mergulhador, enquanto no lago do Barigui passeavam alguns jacarés de plástico. Essa foi uma ação da Arquea, junto a estudantes de arquitetura, para “alterar a percepção de prédios, ruas e monumentos” que cruzamos todos os dias, mas que passam despercebidos, por meio de inserções urbanas. A brincadeira ilustra uma faceta dos arquitetos Bernardo Richter, Fernando Caldeira de Lacerda e Pedro Amin, que se uniram em 2008 e em 2016 acumularam cinco prêmios e tiveram um projeto selecionado como uma das 100 obras de arquitetura mais importantes do Brasil pelo site especializado Archdaily. Para o trio, a experiência das cidades pode ser mais humana, e com soluções simples (como uma fachada ativa ou mobiliário urbano), desde que bem conceituadas. “A arquitetura mexe muito com a autoestima”, explica Pedro. “[É possível] criar uma arquitetura em que a pessoa se sinta valorizada, se sinta parte da cidade e se sinta bem ali.”
A crise econômica e a busca por modos de vida mais sustentáveis também influenciam essa “nova arquitetura”, pedindo mais equilíbrio. “É fazer o melhor que dá com o que se tem de tecnologia, tempo e a questão financeira do cliente”, resume Pedro, expondo a preferência por simplicidade e durabilidade. Esta, no entanto, não é só relacionada a materiais, mas ao conceito a partir do qual o espaço é projetado, seguindo sua demanda e contexto. “A gente não tenta ter uma cara, nossos projetos são todos variados”, observa Fernando. “Inclusive isso é para que a gente tenha muito mais flexibilidade de ideias.” O trio observa que há mais interesse das incorporadoras por esses conceitos em períodos de enfraquecimento do mercado. “O arquiteto, nesses momentos, é mais valorizado porque traz ideias”, explica Fernando, ele mesmo responsável por um edifício que o grupo descreve como “gentil com a cidade” e que se destaca entre os outros na rua: não há muro, mas integração com a calçada e com as pessoas – uma continuidade entre espaço privado e público. “São pequenos gestos”, define Bernardo sobre como melhorar a experiência das cidades e sobre o papel social do arquiteto: “Às vezes uma pessoa cuida de um canteiro, o Bocca Lupo [restaurante cujo projeto é assinado por eles] tem um banco [na rua] em que qualquer um pode sentar.”
ESTÚDIO 41
Chamou a atenção recentemente ao vencer o concurso da nova estação brasileira na Antártica, cuja construção tem orçamento previsto em mais de US$ 100 milhões. Mas também é o ponto importante para o estúdio projetos como o de Água Branca (SP), pelos quais mostra que é possível fazer habitação de interesse social (são 1,4 mil moradias) com qualidade e com a mesma verba disponível, segundo Fábio Henrique Faria, Eron Costin, Emerson Vidigal, João Gabriel Rosa e Martin Goic, todos formados pela Universidade Federal do Paraná e sócios desde 2011. Uso inteligente do espaço, cuidado estético, acesso a transporte e áreas de lazer, fachadas ativas e áreas comuns que não são mera passagem, mas locais de convívio, são alguns dos diferenciais em Água Branca.
Os últimos prêmios Pritzker, o principal em arquitetura, destacaram a habitação de interesse social ao escolher o chileno Alejandro Aravena, e o trabalho discreto mas consistente do trio espanhol RCR, que pensa projetos particulares com fins coletivos, em conexão com a paisagem e os costumes locais. “Estão surgindo escritórios originados de um conjunto de arquitetos, uma equipe que tem um pensamento conjunto, em que cada um tem uma ideia e a compartilha”, observa Eron sobre o movimento oposto aos starchitects. Para os sócios, a arquitetura não busca mais uma assinatura, mas atender a demanda de cada projeto, com traços simples e atemporais – eles acreditam que venceram o concurso da estação pelo pragmatismo e simplicidade na solução, levando em conta condições climáticas e dificuldade de acesso.
Inicia-se, então, uma revisão da percepção do arquiteto como “supérfluo e supercaro”: “É aquele que vai trazer qualidade às pessoas e isso não necessariamente encarece, ao contrário”, argumenta Fabio. Segundo ele também começa a mudar o movimento de se fechar em condomínios. “Hoje a gente vive algo que é um pouco mais voltado ao coletivo“, observa Faria, destacando a importância de “espaços caminháveis, mais agradáveis à convivência e ao trânsito do pedestre”, bem como as fachadas ativas – prédios mistos com comércio ao nível da rua, gerando movimentação e mais segurança – e a ocupação do espaço público – com todos os seus conflitos. “Ninguém nos educou para isso, mas é parte desse exercício de ser cidadão, de se politizar no sentido de usar a cidade”, avalia Emerson sobre a vitalidade do espaço público e o potencial de utilização da cidade.
ALEPH ZERO
Os projetos de Pedro Duschenes e Gustavo Utrabo tampouco têm uma unidade estética ou um estilo identificável. “O que vem por trás do projeto não é uma relação estética”, comenta Pedro. “A gente quer trabalhar o conceito.” Foi assim num projeto de moradia no interior de Tocantins, um convite de Marcelo Rosenbaum: a dupla integrou as crianças a quem o espaço era destinado ao processo de criação, numa colaboração para entender suas necessidades, seus desejos e sua escala. E enquanto técnicas contemporâneas estão presentes, o projeto não briga com o entorno, antes respeita e dialoga, inclusive incorporando técnicas construtivas da região e referências indígenas.
O processo proporciona um caminho para a dupla, em meio a um contexto de excesso de informações, imagens e referências. “Há uma grande pulverização de maneiras de encarar a arquitetura, e não mais uma grande maneira dominante, em que se podia dizer que aquilo era o certo e o outro era errado ou oposto”, avalia Pedro, somando ao contexto atual o trabalho colaborativo e permeável a outras áreas do conhecimento. “As coisas não estão mais claras: se pode ou não pode, se isso é de uma ou outra área.”
Artes visuais, filosofia e literatura têm influenciado o Aleph Zero (referência à obra do escritor argentino Jorge Luis Borges) mais do que a própria arquitetura. “Abriu mais um caminho de interpretação”, explica Gustavo sobre essa relação. Recentemente, a dupla convidou um artista para desenhar uma casa que estava projetando, do jeito que a imaginava. Mais do que uma guia, a criação artística funcionou como provocação para os arquitetos saírem do lugar comum e refletirem sobre o próprio trabalho, fugindo da rigidez que percebem que sua área pode ter.
“O trabalho da arquitetura é semelhante à prática artística no sentido de interpretação da sociedade, do local (…) mas tem uma função”, compara Pedro sobre o processo de materialização de ideias, em que a visão de mundo da dupla, por consequência, se coloca. E é um trabalho que pode, como numa instalação artística, criar atmosferas – um interesse da dupla, reunida em 2012 e que acaba de migrar o escritório para São Paulo (SP). “Ainda mais em espaço público”, detalha Gustavo sobre o potencial da arquitetura. “Isso aumenta o repertório da pessoa e sua relação com o lugar.“
*Matéria publicada originalmente na edição 200 da revista TOPVIEW.