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“Temos uma das melhores arquiteturas residenciais no mundo”, diz Arthur Casas

O arquiteto que dá nome ao premiado Studio Arthur Casas assina projetos modernos em vários países, como os recém-entregues Ícaro Jardins do Graciosa e Jockey Plaza, em Curitiba

Ao falarmos de arquitetura moderna, um nome deve surgir em algum ponto: Arthur Casas. O arquiteto comanda um dos mais reconhecidos escritórios do Brasil, com sede em São Paulo e Nova York. Ele esteve em Curitiba em agosto para a entrega do Ícaro Jardins do Graciosa, residencial de luxo assinado por seu estúdio e o primeiro do país a conquistar o selo Green Building de sustentabilidade.

Em sua trajetória, já trabalhou com várias escalas e em diversos países. Lá nos anos 1980, quando começou a carreira, viu-se sem muitos caminhos para além da tendência neoclássica que dominava a cena. Para não abraçar essa onda, preferiu se desenvolver em interiores – “mas jurando que um dia voltaria à arquitetura”. E voltou: hoje, o Studio Arthur Casas é composto 60% por projetos de arquitetura e acumula prêmios como World Architecture Festival, Red Dot Design Award, IF Design Award e Architecture MasterPrize. 

Para Arthur, o melhor que temos para oferecer, em termos de arquitetura, são justamente os empreendimentos residenciais: “O brasileiro consegue fazer coisas fantásticas dentro dessa escala”. Pretende, com seu trabalho, dar um pouco de ordem à vida das pessoas, sem deixar de lado a clareza do que realmente importa: contribuir positivamente com o estilo de vida de quem vai ocupar os espaços que projeta.

No bate-papo a seguir, feito na Galeria 31, hotspot artístico dentro do Ícaro, Arthur fala sobre o cenário arquitetônico brasileiro, as questões que lhe instigam na área e projetos que ainda deseja realizar.

Confira a entrevista com Arthur Casas

TOPVIEW: Quais questões te preocupam ou instigam em relação à arquitetura e ao urbanismo atualmente?

Arthur Casas: O que mais me preocupa é a forma como as cidades crescem. Isso me incomoda muito, porque eu gosto das coisas um pouco mais ordenadas, menos bagunçadas. Sou aquele que chega e arruma a casa para se sentir mais confortável. Conforto, para mim, está na organização. Acho que as cidades, sobretudo as brasileiras, são muito orgânicas e desorganizadas. Falta um pouquinho mais de planejamento para fazê-las serem lugares mais agradáveis. Talvez nem todos concordem comigo, mas acho as cidades brasileiras, de maneira geral, feias – é claro que há exceções e a arquitetura está diretamente relacionada com isso. É engraçado que no Brasil é muito difícil aprovar um projeto e muito fácil, ao mesmo tempo, construir uma casa em uma zona de manancial sem autorização de ninguém. Essas coisas me incomodam nesse universo, então, tento, humildemente, dar um pouco de ordem à vida das pessoas que me contratam.

Curitiba tem a fama de ter sido planejada e ter mais organização. Você sente que esse título se mantém ainda hoje?

Jaime Lerner fez um trabalho muito legal e reconhecido aqui. Ainda percebo esse traço na cidade em vários lugares, em outros menos. Curitiba ainda está crescendo de uma forma legal, percebo-a um pouco mais harmônica e organizada que outras [cidades em] que ando por aí.

Sente alguma falta no cenário da arquitetura brasileira?

Principalmente projetos ligados com a questão pública. O arquiteto, aqui, depende mais da iniciativa privada, do cliente final. O governo não investe em grandes projetos públicos. Gostaria de participar mais disso e que a minha equipe tivesse mais acesso a esse tipo de projeto. Já participamos de vários concursos, mas paramos, porque é sempre um problema: quando ganhamos, é difícil fazer com que seja realizado. Por outro lado, falta iniciativa de empresas de grande porte, que poderiam, também, trazer mais cultura, criar um museu, por exemplo, ou investir no restauro de algum ambiente histórico. Falta um pouco de cidadania, do meu ponto de vista, no sentido de poder fazer alguma coisa para todo mundo. As pessoas são muito individualistas.

“Falta um pouco de cidadania [na arquitetura brasileira], do meu ponto de vista, no sentido de poder fazer alguma coisa para todo mundo.”

E o que ensinamos ao restante do mundo?

O pessoal me odeia quando falo isso, mas ainda acho que temos uma das melhores arquiteturas residenciais no mundo. Trabalhamos nos Estados Unidos e lá se vê pouca arquitetura residencial de boa qualidade. O arquiteto na Europa trabalha mais com a questão pública do que com o cliente final. Aqui, você consegue encontrar bons arquitetos que trabalham com essa escala – o brasileiro consegue fazer coisas fantásticas dentro dela.

Qual é o papel do arquiteto hoje?

O arquiteto tem que ser comparado ao médico e ao advogado. Ele tem que te trazer uma solução, pode transformar a sua vida e da sua família – para o bem ou para o mal. O espaço arquitetônico claramente é um componente responsável e ativo dentro da qualidade de vida das pessoas. Ele não precisa ser grande, a relação tamanho e qualidade não tem sentido, mas a questão de ventilação, iluminação, insolação. Entender a família que vai morar ali e criar um espaço com privacidade e onde a vida dela vai melhorar é muito gratificante.

Sobre os projetos que você está entregando agora…. qual é a ideia de morar que o Ícaro personifica? 

Todo o processo do Ícaro foi muito interessante e positivo. O arquiteto não é o único player da história: você tem o arquiteto, o cliente e a pessoa que vai executar o projeto, a construtora. Elas precisam estar trabalhando juntas e acreditando na mesma finalidade. No passado, as pessoas só visavam lucro. Quando o Alfredo [Gulin Neto, CEO da AG7 Realty] nos procurou para fazer o projeto, a gente entendeu que ele queria fazer um produto diferente, que fosse conhecido e reconhecido fora de Curitiba. Muitos construtores vêm ver o Ícaro, porque é uma obra bem pensada e executada. O trabalho harmônico entre a construtora e a minha equipe resultou em um produto muito diferente do que se vê no mercado. Acho que vai ter reprodução desse tipo de produto em outros lugares, com essa preocupação. As pessoas que compram uma casa hoje querem sentir que aquele projeto foi feito com dedicação, carinho, raciocínio, não simplesmente para colocar no mercado e fazer dinheiro. Prefiro focar em 10 prédios com esse tipo de qualidade do que em 200.

“O arquiteto tem que ser comparado ao médico e ao advogado. Ele tem que te trazer uma solução, pode transformar a sua vida e da sua família (…)”

O Ícaro foi o 1º do Brasil a conseguir o selo Green Building. Acredita que essa preocupação sustentável é o futuro do mercado?

Foi importante, mas acho que vai ganhar muitas outras coisas daqui para a frente. As pessoas abraçam isso há algum tempo e tem uma questão do marketing positivo do empreendimento. Mas acho que o ponto importante do projeto arquitetônico do Ícaro é que ele está inserido dentro da paisagem de uma forma muito suave. Uma coisa que não gosto é quando um edifício agride a paisagem, aparece de uma forma soberana. O Ícaro conseguiu entrar nessa paisagem do Cabral de uma forma tranquila, calma e serena – não se impôs. Esse é o grande trunfo sustentável do projeto. A questão do paisagismo traz a calçada para dentro do terreno, não cria um bloqueio tão definido entre o público e o privado. Essa araucária [aponta para a árvore em frente ao prédio, vista pela janela] é inacreditável, para mim essa árvore é a coisa mais linda que tem e essa, particularmente, está perfeita.

O que mais importa em um projeto?

Quando faço o projeto, imagino ele funcionando, as pessoas morando ali dentro. Penso muito na planta, adoro essa parte. Mas o que me irrita é mau acabamento. Quando isso acontece nos lugares que eu projetei, fico muito irritado.

O que você ainda não fez e gostaria de fazer?

Museu. Mas não museu de coisa morta, museu vivo, bem ativo. Mais ou menos da forma como foi feito o Museu da Língua Portuguesa, que poderia ter sido a coisa mais chata do mundo, mas tinha fila na porta. Gostaria de criar espaços públicos.

O que te inspira?

Viajar é uma coisa muito inspiradora, porque é um momento em que você está mais atento. E não precisa ser para longe. A minha inspiração vem dos lugares mais inusitados: às vezes, estou em um espaço horroroso, mas adorei o chão, por exemplo. Viajar, por conta desse momento comigo mesmo, é superinspirador.

Sobre o Jockey Plaza… qual é o futuro dos shoppings centers?

O shopping center, para mim, é a praça pública do século 21, onde as pessoas sentem segurança, tem conforto térmico. Feliz ou infelizmente, eles fazem esse papel. O Jockey Plaza é um shopping muito diferente dos que já fiz. Fiquei muito feliz, acabei de passar por lá. O budget era baixo para os nossos padrões e eu gostei do exercício. Achei que ficou muito legal, as pessoas estão adorando. A fachada ficou uma solução superbacana, os corredores dos sanitários também. Acho que vai ser um elemento importante de transformação da região: ele tem um potencial de catalisar e trazer novos investimentos para lá.

*Matéria originalmente publicada na edição 227 da revista TOPVIEW.

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