A natureza traduzida para a arte
Escultora e ceramista, Kimi Nii é capaz de transformar com mínimos recursos o banal em sublime. Essa transmutação, própria dos grandes artistas, coloca o trabalho de Kimi Nii nos patamares mais elevados da produção artística nacional e internacional. Ao falar das coisas mais elementares de sua vivência, em especial aquelas ligadas à natureza, transita do local ao universal com tranquilidade e desenvoltura. Se expressa através de um elegante e conciso repertório formal, pleno de experiências e significados. Desenvolve seu trabalho com grande coerência e convicção. Acompanho a artista desde os anos 80 e tenho em acervo obras destes anos, perfeitamente contextualizadas e contemporâneas às suas peças mais recentes. Uma justa escolha para esta edição da revista dedicada a Biofilia. Boa leitura!
Marcos Bertoldi
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Quando estou no meio da natureza encontro uma forma, um detalhe que me chama a atenção. Fico contemplando o que me atraiu, às vezes é a estrutura com sua lógica, as brácteas de uma bromélia com seu desenho geométrico, a sequência simétrica das helicônias ou a simplicidade do ritmo dos nós do bambu. Assim comecei a construir as esculturas da série Flora Cerâmica.
Enquanto nadava de costas, quase meditando, olhando as nuvens que flutuavam com formas impermanentes vi bichos de pelúcia mudando de forma. Naquele momento veio a ideia de criar objetos-cumulus.
Do avião me surpreendi com as nuvens de uma perspectiva diferente, uma concentração densa de formas de gomos finos. Essa visão se transformou numa exposição com uma instalação dessas nuvens suspensas, para serem vistas tanto de baixo quanto de cima, de um mezanino.
De um pequeno avião, as várias ilhotas de Paraty, que do alto parecem ainda intocadas pelo homem, compunham uma paisagem de uma beleza única e se tornaram outra instalação, junto com um painel de nuvens.
Procuro interpretar formas da natureza, porém penso:”Quem sou eu para imitar a natureza? Ela já está lá e é perfeita.” Mas, eu me aproprio do que capto no momento, traduzo para o meu meio e estilizo com as mãos, de certa forma usando de uma geometria orgânica, transformando numa linguagem de cerâmica, usando o barro e a água, que dá maleabilidade, e em seguida a deixando evaporar para secar. Depois entra a química das rochas moídas e metais que darão a textura e o colorido da superfície. Na última fase do processo o protagonista é o fogo e a sua interação com o ar.
Ao abrir o forno, me deleito com o resultado bem sucedido ou a surpresa de algum (d)efeito que não esperava e pensamos na causa e procuramos uma solução. Mas, às vezes, a deformação ou o vidrado que não atingiu a temperatura, despertam em mim uma curiosidade e vejo uma singularidade, talvez o que os japoneses chamam de wabi sabi, a beleza da imperfeição.
Sinto gratidão pela sorte de viver com esse trabalho que tanto aprecio e faço com prazer.
*Coluna originalmente publicada na edição 234 da revista TOPVIEW.