A defesa do inconsciente
Leticia Marquez é mineira de Uberlândia e paranaense vivendo em Londrina desde 1975. Cursou Desenho e Plástica na UNAERP, em Ribeirão Preto, e Comunicação Visual em Mídias Interativas na UNOPAR, em Londrina. Artista Plástica com um superlativo número de quase 30 premiações em Salões Nacionais e um grande número de obras em importantes acervos públicos e privados.
O meu primeiro contato com a sua obra ocorreu em 1981 no 38o Salão Paranaense ao adquirir uma de suas telas, com a temática dos bóias-frias e a geada negra, que assolou o norte do estado naqueles anos e causou profunda impressão na artista recém chegada.
O trabalho de Leticia Marquez é pleno de humanidades que nos cortam e atravessam. Seus temas, inevitáveis e comuns a todos são, muitas vezes, extraídos de profundezas mentais que poucos temos a coragem de acessar. As religiões e mitos fundadores das sociedades contemporâneas estão repletos de visões simbólico-narrativas: figuras híbridas entre homens e animais, dilaceramentos e seres sobrenaturais. A artista apropria-se desse inconsciente coletivo em imagens capazes de iluminar as áreas mais escuras da nossa mente, com figuras que surgem em alguns momentos mutiladas ou metamorfoseadas, eventualmente expostas ou aprisionadas in vitro, como em experimentos biológicos.
De qualquer forma é importante assinalar que tão ou mais arrebatadora que a sua temática neoexpressionista é a qualidade compositiva de seus trabalhos, surgida tão naturalmente em cada obra. É notável o equilíbrio das formas e cores, os cheios e os vazios, a rigorosa ocupação e a organização do espaço pictórico. Um raro sentido de forma e composição que parece fácil de tão natural e que nos causa um estranho sentimento de encantamento, sedução e leveza em contraposição aos temas propostos, nos levando a uma artista em pleno domínio de sua obra. Boa fruição!
Marcos Bertoldi
Segundo Giordano Bruno, “o mundo não tem limite nem referência absoluta, portanto as várias imagens dele são relati – vas, qualquer ponto é centro e periferia”. Adotou a filosofia de Lucrécio “destinada a libertar o homem do medo, da morte e dos deuses”.
Zygmunt Bauman, cunhou novos conceitos: modernidade líquida, amor líquido, medo líquido… medo secundário, um medo sempre reatualizado social e culturalmente, que norteia o comportamento do indivíduo havendo ou não uma ameaça direta.
Refletindo sobre esses pensamentos filosóficos e na tentativa de compreendê-los, dissecá-los e materializá-los em linguagem plástica, amálgamo explicações mitológicas, observações empíricas e racionais com percepções do invisível que se encontram registradas em camadas fluidas no “arquivo vivo” atemporal do subconsciente.
Utilizo de imagens ou invólucros figurais, deste mundo “imaginário”, povoado por homens, mulheres e animais, por vezes consideradas surreais ou expressionistas, devido ao formato “frankesteiniano, de seus corpos e do deslocamento de contextos habituais em que se apresentam.
O embate desses seres em prol da sobrevivência e ou da convivência dentro deste espaço e tempo caótico de reduzidas dimensões, é o conteúdo recorrente em toda as minhas obras.
*Coluna originalmente publicada na edição #243 da revista TOPVIEW.