ESTILO

A criança no cinema

Falar de crianças em filmes é sempre delicado, mas muito necessário para entendermos questões cotidianas

A cena final do clássico Os Incompreendidos, primeiro longa-metragem do diretor francês François Truffaut, é um dos momentos mais enigmáticos da história do cinema. Antoine Doisnel (Jean-Pierre Léaud), um garoto negligenciado pelos pais e desprezado pelos professores por ser considerado um rebelde irremediável e fadado à autodestruição, corre em uma praia na direção do mar.

No plano que encerra o filme, ele olha para a câmera (e, portanto, para o público) com uma expressão que confirma a carga de dor e abandono vivenciada em tão pouco tempo de vida, com uma traumática passagem por um reformatório para delinquentes juvenis. Mas também deixa entrever um espírito audacioso e desafiador, potencializado pelo tom libertador desse desfecho em aberto, nem fatalista nem esperançoso. Baseado em experiências vivenciadas na infância por Truffaut, Os Incompreendidos é um exemplo de obra cinematográfica em que o olhar de uma criança é complexo o suficiente, autêntico, e – não uma mera projeção adulta do que seria a infância. Há filmes adultos construídos em torno da criança por vários motivos, mas um dos mais recorrentes seria a busca por um resgate da memória.

Na vida de todo mundo, a infância é um momento fundador, em que a sensibilidade é intensificada quando diante de uma descoberta. Há, portanto, um grande fascínio por parte dos diretores pela possibilidade de reproduzir em suas obras esse modo agudo de ver o mundo, com o qual o espectador poderá ter forte identificação, uma vez que todos já fomos crianças. Outros cineastas buscaram reproduzir em seus filmes experiências de infância, como o sueco Ingmar Bergman, em Fanny & Alexander (1982), e o italiano Federico Fellini, em Amarcord (1973). Falar da criança, nos filmes, significa tocar em um ponto nevrálgico para todos nós: o futuro. Por meio dela ou, talvez, a partir dela, podemos nos colocar questões como: “O que será de nós?”, “o que faremos de nós?”, “o que nos resta?”.

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Esperança e Glória – John Boorman

Minha vida de cachorro – Lasse Hallstrom 

* Coluna originalmente publicada na edição #251 da revista TOPVIEW.

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