ESTILO CULTURA

Curitiba secreta: lugares com histórias escondidas

Convidei Wagner Melo, com suas fotos sensacionais, para preparar, junto comigo, um roteiro que revela as histórias escondidas nos detalhes do cotidiano

A minha proposta na edição de #302 da TOPVIEW é um convite ao turismo — mas não o óbvio e, sim, aquele que revela segredos e encantos despercebidos. Quem resiste às histórias escondidas, detalhes que passam batidos no dia a dia?

O fotógrafo urbano Wagner Melo e eu fomos atrás de pequenas pérolas da cidade para oferecer um passeio diferente por Curitiba. Um roteiro que, embora não nos faça perder o rumo, pode surpreender até os mais atentos.

Por exemplo: alguém sabe o nome da Igreja do Rosário? Foi construída por escravos e frequentada por homens pretos que não podiam entrar na Catedral. Com o tempo, passou a ser chamada de Igreja dos Mortos e também de Santuário das Almas, pelas missas de corpo presente. Nossa pequena preciosidade hoje se chama Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos da Ordem de São Benedito. E a nossa Catedral? É a Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais.

Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais. (Foto: Wagner Melo)             

E o que será que Curitiba tem de lembrança da China? Confúcio! Essa magnífica obra em bronze, com três metros de altura e 1,3 tonelada, foi um presente do governo chinês recebido pelo então prefeito Rafael Greca. A escultura mora no Largo da China, no Centro Cívico. “O sorriso compassivo e harmonioso de Confúcio agora brilha sob a luz dos pinhais” — palavras do próprio prefeito.

LEIA TAMBÉM: TOPVIEW #302 celebra o tema Turismo com editorial estrelado por embaixadores

E a história do relógio da Praça Osório? Encomendado na Alemanha, foi instalado em 1914, junto com as obras de remodelação da praça. Mas não funcionava: o mecanismo e os ponteiros não chegaram devido ao início da guerra. Ficou assim, sem serventia — motivo de piada — até 1918, quando, enfim, passou a funcionar. Na década de 1950, foi substituído por um novo modelo e, em 1993, chegou um Günther & Müller, marcando as comemorações dos 300 anos de Curitiba.

Relógio da Praça Osório. (Foto: Wagner Melo)

Já que estamos na Praça Osório, vale lembrar que, no século XIX, ali era um charco banhado pelo rio Ivo, chamado Largo do Oceano Pacífico. Em 1877, após muitas obras, teve início a instalação da fonte. Em 1913, chegam da França esculturas encomendadas: Nenúfares, as seis Nereidas (ninfas) e um cisne. Essa composição permanece até hoje, com algumas adaptações, como a elevação do conjunto central. Uma curiosidade: em 2012, a fonte amanheceu coberta de espuma — algum vândalo resolveu dar um banho nas Nereidas! Aliás, nossas fontes já sofreram vários “banhos de sabão em pó”…

Falando em fontes, vocês conhecem o repuxo da Praça Zacarias? Nascido da ideia do engenheiro Antônio Rebouças Filho, ele tem mais de 150 anos de história. Foi o primeiro sistema de encanamento de água no Paraná. O abastecimento chegava ao então Largo da Ponte, outro terreno encharcado pelo rio Ivo. Em 1871, essa obra permitiu que a água potável fosse distribuída ao povo. Passou por várias alterações até chegar ao monumento que é hoje — local preferido de banhos e brincadeiras dos moradores de rua nos dias quentes da capital. Em 1939, removeu-se a parte superior da estrutura, por ser considerada um símbolo fálico. Foi devolvida pelo Museu Paranaense ao seu lugar em 1968.

Repuxo da Praça Zacarias. (Foto: Wagner Melo)

Agora, esta é incrível: alguém aí sabia que temos uma rainha? Trata-se de uma senhorinha, meio gordinha e seminua, sentada em um trono no alto do Paço da Liberdade. Ela personifica Curitiba. A figura — opulenta, de seios ao vento — está sentada abaixo do relógio do Paço. Segura na mão direita a tocha da liberdade, e a esquerda está na posição de abençoar. Sua cabeça é ornada por uma coroa tal qual a do brasão de Curitiba. Conhecida como “Rainha de Curitiba”, reina absoluta sobre os viventes da praça.

Curitiba secreta
“Rainha de Curitiba”. (Foto: Wagner Melo)

E o índio? Que índio? O índio da Praça Tiradentes! Lá está ele, altivo e forte, tendo a seus pés um lobo-guará. Escultura de Elvo Benito Damo, representa o cacique tupi Tindiquera, que, tendo estabelecido boas relações com os portugueses aqui chegados, indicou o local provável para instalar os primeiros acampamentos da região. Com seu cajado, finca o chão e profere as célebres palavras: “Coré Etuba” — “lugar de muitos pinhais”. Hoje, está posicionado em frente ao portal da Catedral.

Cacique Tindinquera. (Foto: Wagner Melo)

O Japão também marca presença. As cerejeiras — ou sakura — emprestam a Curitiba um ar exótico durante a florada. As árvores chegaram em 1993, trazidas e doadas pelo imperador japonês Akihito, quando aqui esteve para a reforma da Praça do Japão. Cento e vinte mudas foram distribuídas: 30 ficaram na praça, 32 no Jardim Botânico e o restante foi plantada ao longo da Avenida Sete de Setembro. Em troca dessa gentileza, Curitiba enviou ao Japão nossos imponentes ipês amarelos. Hoje, essas árvores estão espalhadas por toda a cidade.

Na coluna entre as ruas Barão do Cerro Azul, Riachuelo e Travessa Nestor de Castro, ostenta-se uma imagem de Nossa Senhora da Luz. Com 10 metros de altura, exibe sua beleza etérea, quase flutuando sobre a cidade barulhenta. Poucas pessoas a observam ou sabem quem ela é.

Outra coluna esplêndida localiza-se na Avenida Manoel Ribas, sustentando o Leão Alado de Veneza. Olhe para cima e deleite-se.

Jerusalém, homenageada por seus 3.000 anos, está representada por um monumento de 14,5 metros de altura. Ele traz três anjos de bronze, representando as três principais religiões monoteístas do mundo: o cristianismo, o judaísmo e o islamismo. Está localizado na rótula no final da Avenida Sete de Setembro, no encontro com as avenidas Silva Jardim e Arthur Bernardes.

Curitiba secreta
Fonte de Jerusalém. (Foto: Wagner Melo)

Entre as lendas da cidade, dá para sair garimpando um tesouro deixado aqui pelo Pirata Zulmiro, lá pelas bandas das Mercês. A loira fantasma e a mulher do táxi não são propriamente atrações turísticas, mas… vai passear pela cidade de madrugada, com névoa e frio, e veja se não encontra alguma coisa escondida por aí.

Para finalizar, olhe bem para os muros do centro e encontre Belarmino e Gabriela, personagens imortalizados na paisagem urbana, sussurrando histórias de outros tempos.

*Matéria originalmente publicada na edição #302 da TOPVIEW.

Deixe um comentário