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Lovemarks: amor à primeira compra

O segredo das grandes marcas na construção de relacionamentos duradouros

Qual é o rótulo que vem à sua mente quando você pensa em refrigerante? Qual a primeira marca surge ao calçar chinelos? E desde quando a maçã é um símbolo da tecnologia que carregamos em celulares?

Se alguma marca te acompanha desde a infância, te desperta memórias afetivas ou faz parte da sua história, você já foi tocado pelo conceito de lovemark. Criado por Kevin Roberts, ex-CEO da agência de publicidade Saatchi & Saatchi, o termo descreve marcas que ultrapassaram a barreira da funcionalidade para entrar no território da emoção — e conquistar uma fidelidade quase incondicional de seus consumidores.

“Esse conceito vem da própria disciplina de marketing, que aborda as emoções despertadas por uma marca”, explica Marcelo Bardi, coordenador do curso de Negócios Digitais da FAE Centro Universitário. “É um conceito do final do século XX, quando observamos a explosão das marcas em grande escala. Essas marcas tornam-se referências e conquistam espaço tanto nos pontos de venda quanto nas casas das pessoas”, explica.

A Apple coleciona fãs e defensores em todo o mundo. (Foto: Olena Bohovyk | Pexels)

Segundo Bardi, as lovemarks atuam por meio de laços cognitivos e emocionais, influenciando diretamente nossas decisões. “Um carro, por exemplo, primeiro atende às minhas necessidades. Depois, aquele valor funcional gera uma desejabilidade. É aí que percebo que o item é compatível com minhas emoções, mexe com meus sentidos, e a partir dessa percepção sensorial, forma-se uma relação”, diz ele. Esse equilíbrio entre razão e emoção é o que garante a construção de valor, desejabilidade, acessibilidade e usabilidade — pilares que levam à recompensa emocional.

Para Kevin Roberts, as lovemarks se apoiam em três elementos principais: sensualidade, intimidade e mistério. A sensualidade aparece quando a marca ativa os sentidos — seja pelo sabor, pelo cheiro, pelo toque ou pelo visual. A intimidade se constrói com confiança, respeito, empatia e senso de pertencimento. Já o mistério envolve a capacidade de surpreender, provocar curiosidade e contar histórias que toquem o imaginário do consumidor.

Lanches felizes

Presente no Brasil há mais de 45 anos, a rede americana de fast-food McDonald’s é um exemplo vivo de lovemark, tanto por sua presença massiva quanto pela forma como se reinventa para manter a conexão com diferentes públicos.

“O McDonald’s faz parte da história e do imaginário de muita gente ao redor do mundo, e a marca está no dia a dia de milhares de brasileiros há décadas”, afirma Mariana Scalzo, diretora de comunicação da Arcos Dorados, empresa que opera a marca no Brasil. “Construímos uma conexão verdadeira com experiências marcantes — desde o sabor inconfundível dos nossos sanduíches até momentos especiais em família, festas de aniversário e outras lembranças que completam a jornada de cada pessoa”, diz.

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Uma lovemark não vende apenas produtos: ela vende experiências. Mariana destaca que o McDonald’s aposta em ativações criativas, como sua presença em festivais como o Lollapalooza e ações temáticas no Méqui 1000, restaurante-conceito na Avenida Paulista, em São Paulo.

Além disso, a marca se adapta às preferências locais a partir de comunidades engajadas e atentas para escutar o público. Dois exemplos dessa escuta ativa são o Cheddar McMelt, sucesso absoluto no Brasil e vendido exclusivamente no país, e o McFish, que retorna ao cardápio em edições limitadas por demanda popular. Essa conexão com o cliente é o que garante o status de lovemark mesmo em uma rede global com mais de 38 mil restaurantes em mais de 100 países

Cérebro e coração

Uma das grandes vantagens de se tornar uma lovemark é justamente a conquista da fidelidade emocional, que transcende a racionalidade. Um cliente apaixonado não apenas consome, mas também recomenda, defende e se engaja. É o famoso “boca a boca” elevado à potência do amor.

A Coca-Cola é um exemplo bem-sucedido de marca que se tornou sinônimo em sua categoria. (Foto: Shuaizhi Tian | Pexels)

“A marca precisa ter clareza sobre o que entrega e para quem entrega. É essencial conhecer a persona e a jornada do cliente. A partir da primeira aquisição, o objetivo deve ser fidelizar o cliente”, explica Marcelo Bardi. “Hoje as pessoas também são usuárias dos produtos, não apenas das redes sociais. É necessário ter uma visão estratégica e de produto ponto a ponto.”
Mariana também reconhece o desafio constante: “Nosso desafio é transformar milhões de transações em relações. Trabalhamos para inovar e crescer, com o cliente no centro de tudo. Oferecemos diferentes canais de interação — totens, Drive-Thru, Delivery, Digital — o que nos permite experiências cada vez mais personalizadas.”

O programa de fidelidade Meu Méqui é um reflexo dessa visão. Lançado há dois anos, já soma 13 milhões de usuários no Brasil e se tornou o segundo aplicativo de alimentação mais baixado do país. “Mais do que um sistema de pontuação, ele representa a transformação da maneira como nos relacionamos com o cliente”, explica Mariana.

O lugar no topo

Ser uma lovemark não é garantia de sucesso eterno. “O risco está sempre presente, ainda mais no cenário extremamente agressivo que vivemos atualmente”, alerta Bardi. Um exemplo clássico de marca que perdeu esse status, segundo o professor, é o da Kodak, que foi sinônimo de fotografia por muito tempo, mas perdeu espaço no mercado pela falta de atualização.

Como resume Marcelo Bardi: “É o sonho de toda marca se tornar uma lovemark. Toda marca quer ser lembrada de forma marcante, muitas vezes até de maneira irracional. Mas, para que isso seja possível, é necessário um trabalho de bastidor muito bem feito.”

No fim das contas, tornar-se uma lovemark é mais do que um objetivo de marketing: é um caminho estratégico para garantir relevância, fidelidade e presença de marca. E essa jornada não está restrita às multinacionais. Negócios locais também podem criar vínculos emocionais com seus públicos e, assim, ganhar espaço num mercado cada vez mais competitivo.

Investir em sensualidade, intimidade e mistério, escutar ativamente o consumidor, inovar constantemente e manter um propósito claro são caminhos possíveis — e cada vez mais necessários — para marcas que desejam não apenas ser escolhidas, mas, sim, amadas.

Os passos até uma lovemark

  1. Conheça profundamente o seu público – Antes de conquistar, é preciso entender. Quem é sua persona? O que ela valoriza? Quais são seus medos, sonhos e desejos?
  2. Construa propósito e autenticidade – Lovemarks não vendem apenas produtos — vendem causas, estilos de vida, valores. Marcas amadas têm uma razão de existir que vai além do lucro.
  3. Ative os sentidos e crie experiências marcantes – Sons, cheiros, texturas, sabores, visuais. Marcas memoráveis falam com todos os sentidos.
  4. Cultive intimidade com o público – Confiança, respeito, cuidado e escuta ativa constroem intimidade. Quanto mais próxima e humana for a marca, mais fácil será criar vínculos emocionais.
  5. Use o mistério a seu favor – Toda lovemark tem um toque de mágica. Surpresas, narrativas envolventes, senso de descoberta e inovação mantêm o encantamento vivo.
  6. Ofereça consistência com emoção – Lovemarks são construídas com repetição afetiva. Seja consistente na identidade, no tom de voz e nos valores, sempre com emoção.
  7. Transforme clientes em embaixadores – O amor precisa ser compartilhado. Marcas amadas geram conversas, recomendações espontâneas e comunidades engajadas.

*Matéria originalmente publicada na edição #300 da TOPVIEW

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