ESTILO GASTRONOMIA

Qual é o seu prato preferido?

Muito além do paladar, o que e como você come pode revelar seus sentimentos, memórias e até sua forma de amar

Se você pudesse escolher apenas um prato para comer pelo resto da vida, qual seria? Talvez uma macarronada com gosto de domingo na casa da avó, um omelete que lembra um bom café da manhã em uma viagem inesquecível ou aquele bolo de chocolate com gosto de aniversário.

Seja qual for a resposta, essa escolha diz apenas sobre suas preferências alimentares, mas também sobre quem você é. Isso porque os gostos alimentares à mesa têm uma ligação direta com a personalidade, o modo de lidar com emoções e até com os relacionamentos. Na vertente da culinária conhecida como gastronomia afetiva, o que sentimos ao comer vale tanto ou mais do que o sabor do que vem à boca.

O sabor das memórias

“A gastronomia afetiva se diferencia das demais por seu vínculo emocional. Ela nos conecta a lembranças, raízes e vivências únicas”, explica a chef Flavia Gazola, do restaurante Comida Afetiva. Para ela, a cozinha é um lugar de memória. “Quando degustamos um prato que nos a um momento especial, estamos vivendo essa conexão emocional.”

O que fica depois da comida pode ser mais importante do que o que estava no prato. (Foto: Max Dormann | Pixabay)

A ideia de que a comida carrega sentimentos é compartilhada também pelo professor Rogério Gobbi, diretor acadêmico do Centro Europeu: “A gastronomia afetiva é qualquer experiência gastronômica carregada de simbologia emocional. Pode ser o prato do pedido de casamento, a primeira refeição em outro país, ou até o simples pão da infância.”

Identidade alimentar

A maneira de se relacionar com a comida também revela sobre a personalidade. Pesquisas publicadas no International Journal of Preventive Medicine e na revista Appetite no início de 2024 mostram, por exemplo, que pessoas extrovertidas tendem a preferir doces e fast food, enquanto aquelas com traços de neuroticismo buscam sabores intensos como o salgado e o azedo.

“Gosto é identidade”, resume Flavia. “Na nossa cozinha, buscamos conhecer os pratos preferidos do cliente para criar um cardápio personalizado, carregado de afeto, principalmente em celebrações.”

Segundo outro estudo publicado no Journal of Neuroscience também no ano passado, a textura e alimentos gordurosos, como milkshakes e queijos, ativa o córtex orbitofrontal — região do cérebro ligada à recompensa e ao prazer sensorial. Não é à toa que, mesmo diante de opções saudáveis, a opção se dá pela comfort food.

Mesmo comidas simples podem despertar sentimentos profundos. (Foto: Saulo Leita | Pexels)

A busca pelo prazer alimentar está profundamente ligada aos estados emocionais. Pessoas mais impulsivas ou ansiosas, por exemplo, tendem a continuar comendo, mesmo quando já estão satisfeitas. Já indivíduos mais sociáveis e conscientes tendem a controlar melhor sua alimentação e buscar um equilíbrio entre prazer e saúde.

“Quando nos alimentamos sem consciência, estamos buscando um alívio emocional. Mas quando cozinhamos ou comemos com atenção plena, criamos uma conexão real com a comida e com nossas emoções”, afirma Flavia Gazola.

A história ao redor da mesa

Nem sempre a comida evoca apenas memórias felizes. “Ela também pode trazer à tona sentimentos de saudade, tristeza e angústia”, observa a historiadora Maria Cecilia Barreto Amorim Pilla. Para ela, a alimentação é uma das protagonistas da história da humanidade — dos grandes banquetes às épocas de escassez e guerras. “Ela está presente em todos os ciclos da vida.”

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Além disso, Maria Cecilia destaca o papel da comida nas desigualdades de gênero. “Enquanto o chef é valorizado, a cozinheira do lar permanece invisibilizada. É um trabalho cheio de afeto, mas historicamente desvalorizado.”

Essa dimensão política e cultural da alimentação reforça a ideia de que comer é um ato social e relacional. O que se serve à mesa carrega mensagens sobre status, afeto, pertencimento e poder. Não por acaso, grandes decisões diplomáticas são frequentemente seladas em jantares, almoços ou banquetes.

A comida fala

Cada escolha alimentar é também um gesto de autoconhecimento. Preferir sabores intensos ou doces sutis, amar comida apimentada ou não conseguir viver sem arroz e feijão: tudo isso comunica algo mais profundo do que o simples gosto. Como explica a chef Flavia, “a forma como você cozinha e o que escolhe colocar no prato revela memórias, sentimentos e até sua forma de se relacionar com os outros.”

E isso vale também para os relacionamentos. Casais que cozinham juntos, famílias que mantêm tradições na cozinha e amigos que se reúnem em volta da mesa compartilham mais do que comida: compartilham laços afetivos. Segundo Gobbi, “quando uma pessoa prepara uma receita de família, ou mesmo algo autoral, ela está se expressando. Está mostrando sua história, sua identidade”.

*Matéria originalmente publicada na edição #300 da TOPVIEW

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