O maior risco é o de não correr riscos
Filho de imigrantes sírios, Jorge Nacli Neto cresceu inspirado pelo talento do pai e dos tios para o mundo dos negócios e da política. Vinda da Síria, a família encontrou no Brasil, fugindo da guerra, abrigo e terreno fértil para tra-balhar e progredir. Seu pai, Fuad Nacli, e os tios desenvolveram também o gosto pela política, fazendo história nos rincões paranaenses.
O jovem Jorge começou a trabalhar ainda menino, como estagiário em uma corretora de valores, e percebeu que o caminho que gostaria de trilhar não passava por ser político, mas por empreender. Estudou engenharia e enveredou pelo setor financeiro. A primeira empresa foi a Paraná Financeira, nos anos 1970, que depois se tornaria o Paraná Banco, no qual exerceu sociedade com o empresário Joel Malucelli, um empreendedor nato. Uma das maiores instituições do setor no país, o banco foi pioneiro em um produto que revolucionaria o mercado brasileiro de empréstimo pessoal, o crédito consignado em folha de pagamento.
Nem tudo foi céu de brigadeiro na vida de empresário, mas, no balanço, sua trajetória profissional tem sido marcada por muito sucesso, que hoje se traduz em algumas novas marcas icônicas em áreas tão distintas quanto o agronegócio, o seguro, a incorporação imobiliária e a hotelaria.
Aos 73 anos, Jorge Nacli Neto está à frente de vários negócios e divide alguns deles com os filhos, André, diretor da Idee Incorporadora, e Carolina, que dirige o Nomaa Hotel, e com o Tom, seu genro, com quem toca a JNS Seguradora.
Marca estrela do grupo, o Nomaa figura entre os 50 melhores hotéis do Brasil, segundo o ranking 2024 da revista Exame. E, de acordo com a Travelers Choice Awards Best of the Best, está no superseleto 1% dos hotéis mais bem avaliados do mundo.
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Com 40 anos de experiência no mercado financeiro e segurador, é sócio e conselheiro da JNS Seguros, além de CEO e presidente das holdings JNP e JNF. O currículo soma ainda papéis de destaque no mercado, como cofundador, acionista, presidente e membro do Conselho de Administração do Paraná Banco; dirigente do Grupo Segurador Junto Seguros; diretor geral da Itaipu Binacional; coordenador do Conselho Superior da Associação Comercial do Paraná; e diretor da ABBC (Associação Brasileira de Bancos).
Nesta entrevista para a TOPVIEW Business/WTC, o empresário – também conhecido pelo seu humor inteligente e o gosto por cultivar amizades – fala um pouco sobre os desafios que viveu e as lições que aprendeu, compartilhando memórias inspiradoras.
Como a família influenciou seu modo de pensar, viver e suas escolhas profissionais?
A origem familiar representa bastante para mim. Quando pequeno, eu ouvia as histórias do meu pai e dos meus tios, mas não entendia bem o que é fugir da guerra e construir a vida em outro lugar. A casa dos meus avós era sempre palco de reuniões políticas. Minha família era formada por empreendedores e fui muito influenciado por isso. Até gostava de política, mas, por mais estranho que possa parecer hoje, vi meu pai diminuir seu patrimônio na atividade política. Então, fiz minha escolha. Como diz a filosofia, o homem livre é aquele que consegue fazer o que não quer, porque fazer o que se quer é muito fácil, né?
Sua trajetória profissional é marcada por décadas de sucesso no mercado financeiro. Quais foram os principais marcos dessa caminhada?
Eu era um estudante de engenharia, estava no terceiro ano, quando surgiu a oportunidade de comprar a carta patente de uma financeira, com o auxílio do meu pai. O Brasil daquela época iniciava uma sucessão de moedas e de planos econômicos, até a estabilidade trazida pelo Plano Real, quando Fernando Henrique Cardoso foi ministro da Fazenda no governo Itamar Franco, vencendo a hiperinflação.
Diante dos grandes bancos e financeiras, a vida não era fácil.
Mas nós éramos inovadores. Quando o Paraná se tornou o primeiro estado do Brasil a regulamentar o crédito consignado, baixando os juros para o crédito pessoal, o Paraná Banco foi pioneiro ao trabalhar com esse produto e se destacou no mercado.
Também fundamos a seguradora J. Malucelli (atualmente a Junto Seguros), começando com seguros para automóvel.
A gente apanhava feito cachorro grande até aparecer o João Gilberto Possiede, que nos apresentou o seguro garantia, então uma novidade no Brasil. Nós surfamos nessa onda. Um dos marcos foi a fundação da Paraná Financeira. Eu era um sócio minoritário, mas sempre estive à frente dos negócios. Em 2016, vendi a minha participação, mas já em 2018 fundei a JNS Seguradora, começando do zero novamente.
Hoje, o senhor divide a vida profissional com seus dois filhos e seu genro. A família está à frente de empreendimentos de áreas distintas: setor segurador, agronegócio, incorporação imobiliária e hotelaria. Fale um pouco sobre essas frentes.
Eu sempre tentei ter os meus filhos perto de mim e despertar neles o espírito empreendedor. A minha filha trabalhava comigo na controladoria, já estava azul de ver número e fazer planilha. Eu vi a oportunidade de fazer um hotel em Curitiba com as características do Nomaa e a Carolina topou o desafio. Ela toca o hotel de maneira brilhante. O meu filho André queria ser arquiteto e eu sempre tive um pé no mercado imobiliário. Então decidimos organizar a nossa vida nesta área, montando a incorporadora Idee. E ele é muito cuidadoso, tem uma preocupação muito grande com Curitiba, com o entorno e com a vida dos moradores do empreendimento.
Fale um pouco sobre essa experiência de distribuir atribuições, obter sucesso nos empreendimentos e manter a harmonia familiar. O que significa a palavra “confiança” na construção de
sua carreira como empresário?
A gente dividiu as nossas atividades basicamente em quatro áreas, que são a incorporadora e o hotel, a seguradora e o agronegócio. A seguradora eu toco junto com meu genro, que também está indo superbem. Tive muita sorte. Os três são trabalhadores e competentes. E confiança é essencial. Você tem que preparar os filhos para o mundo, saber delegar. Eu vejo que muitas famílias não preparam os sucessores. É preciso incentivar, retribuir. Eles têm que sentir que fazem parte do negócio, que são responsáveis. Eu tento ficar bem longe das atividades deles e o mérito é todo deles. A gente adota um modelo de governança corporativa de planejamento e prestação de contas muito forte na família. Fora as nossas reuniões, o resto eles que tocam o negócio.
Qual é o papel do risco na sua atividade empresarial?
O maior risco que o empreendedor tem é o de não tomar risco. Só que ele precisa ter as suas diretrizes estratégicas, estudar o mercado e planejar para então executar. Eu sou muito fã da metodologia do professor Vicente Falconi, que faz o empresário olhar para todas as instâncias do seu negócio. E eu costumo também dizer que não existe maneira certa de fazer a coisa errada. Todo ser humano nasce com o desconfiômetro. Todo mundo sabe o que é certo e o que é errado.
Parar de trabalhar é uma opção que o senhor considera hoje em dia?
Às vezes, quando eu venho trabalhar, de manhã, com vários problemas a serem resolvidos, vejo alguns amigos aí caminhando, passeando com o cachorro… e eu penso como é bom ter um monte de problemas para resolver. Diminuir o ritmo sim, parar não. O ambiente no Brasil propicia muitas oportunidades, mas ele é muito desafiador. E o empreendedor é um otimista por natureza, né? O empresário quer produzir.
E, quando a cabeça descansa, quais são suas atividades preferidas?
Eu dou muita importância à leitura, eu gosto muito de música. Não sou um atleta por natureza, mas tenho a minha prática de pilates, a minha musculação, no mínimo, quatro vezes por semana. Eu tento ter uma disciplina, porque, se você não se preparar um pouquinho, você começa a não poder mais nem andar, vai viajar e não sobe a escada do avião, não carrega a mala. Sou um curioso, sempre viajei muito. Quando vou a um país, quero saber como é a vida lá. O meu lazer com a família e os netos também me dá muita alegria. Outro prazer é estar com os amigos. A gente se reúne, troca ideias e dá risada juntos.
*Matéria originalmente publicada na edição #300 da TOPVIEW.