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A cilada da perfeição e o poder da resistência feminina

Falar sobre mulheres pode ser citar futilidades, sim, mas é, também, muito além disso

Escrever sobre mulheres pode ser uma das coisas mais fáceis do mundo se me dedico ao que é esperado de mim: falar sobre beleza, moda, coisas que tragam o fútil, algo que nos faz bem e mal ao mesmo tempo. Profunda e controversa, essa palavra se atravessa na minha garganta, pois eu mesma sou uma mulher fútil, mesmo que lute para não ser. Não é possível se afastar e estar presente na sociedade apocalíptica sem sê-lo.

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Pois bem, farei desta coluna, então, um espaço dedicado a todos os meus desejos, tanto na futilidade quanto na recusa dela. E assim chegamos a março de 2025: cansadas de combate, mas sabendo que é necessário abrir espaços. E, ao mesmo tempo em que falamos que estamos cansadas, não podemos nos entregar facilmente. Recusar a beleza como a sentimos é uma forma de baixarmos nossos braços; aceitar a que nos vem imposta é fazer o que se espera de nós. Continuamos em uma encruzilhada, mas vou resolver rapidamente essa questão, mesmo que saiba que tudo o que se trata de nós, mulheres, não é resolvível. Porém, é possível conviver plenamente. Isso é.

Ao entendermos o mecanismo do mundo, sabemos que existem barreiras intransponíveis. Como fazemos então, se precisamos prosseguir? Simples. Te falo: a resistência está na existência pura e simples do exercício que é ser uma mulher. A resistência está em fi car calada, mas fazer o que você quer. Em não bater boca com quem acha que entende o que fala, mas continuar existindo exatamente como você acha que deve ser. O mundo é complicado demais para a gente bater boca com ele, então sigamos existindo.

Ser mulher é estar cansada, mas não parar de resistir. (Foto: Vonecia Carswell | Unsplash)

Certa vez, vi dois exemplos bons de mulheres que conseguem avançar dentro de suas plataformas sem se destruir – e, o melhor: ajudando a libertar outras mulheres. Vi uma entrevista da atriz italiana Mônica Bellucci. Estrela do cinema, sex symbol dos anos 1990, hoje, aos quase 60 anos, ela se recusa a repuxar o lindo rosto com plásticas ou procedimentos estéticos. Em uma entrevista, ela fala que envelhecer – eu sei, eu sei, o tema é recorrente, mas fazer o quê, se a pauta é mata ou morre? – não pode ser uma vergonha e que, para ela, pisar em um tapete vermelho mostrando as marcas do tempo no seu rosto é algo importante. Algo assim. E ela o faz, linda em um Dior Couture, em um vestido preto decotado da Dolce & Gabbana, com o namorado Tim Burton segurando fi rmemente sua mão. Nada mais resistente: ser linda, livre, amada e fora dos padrões para o meio em que vive, que fi que claro.

Outra entrevista que me chamou a atenção, também quase no mesmo dia, foi com a cantora e compositora francesa Zaho de Zagan. Aos 25 anos e cheia de referências de mulheres pensadoras em sua trajetória, Zaho confessou que prefere dar um tempo ao espelho do que cair na cilada de se prender a ele e, com isso, perder seu tempo de vida. Em 2024, ela protagonizou uma cena linda ao interpretar uma canção de David Bowie de cabelos soltos, quase nenhuma maquiagem e pés descalços. O vestido era de grife, certamente, mas não era isso que ela queria colocar em destaque; era o seu talento. Importante. Poderia tecer aqui uma lista de mulheres que se recusam a entrar no rol das “substanciadas” e geram admiração no mundo sendo elas mesmas, sem muitos subterfúgios, mas lindas, reais e cheias de opinião.

Ao sermos sugadas para o universo de uma perfeição que nunca atingiremos com naturalidade e que tampouco será perfeito, perdemos espaço para pensar. A gente tem que se ligar. Precisamos mudar muitas coisas no mundo (vocês sabem do que estou falando) e, para isso, não podemos perder tempo demais com futilidades. Não esqueçam que tudo é uma cilada. Você só cai se quiser; não precisa renunciar ao batom, mas não deixe deconferir uns trechos da Beauvoir. Nascemos e nos tornamos mulheres todos os dias. Fiquemos vivas. Isso é resistir.

*Matéria originalmente publicada na edição #298 da TOPVIEW

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