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Conheça Hilda Hilst, que fez história com seu estilo pornô chic

A paulista Hilda Hilst, célebre por extrapolar o “aceitável”, chacoalhou com suas obras o limite de nossa própria fantasia

Há um projeto artístico do fotógrafo americano Clayton Cubitt que consiste em filmar algumas atrizes lendo trechos de obras literárias enquanto são distraídas por um vibrador.

Hysterical literature discute, segundo o artista, a batalha entre a mente e o corpo, entre a concentração e a distração, entre aquilo que podemos controlar racionalmente e a entrega aos fluxos nervosos e sanguíneos do corpo. E também o contraste, na nossa sociedade, entre arte e sexo.

Quando a série saiu, a discussão proposta pelo artista ficou nas entrelinhas. O que parecia mais chocante: a expressão de mulheres lindas atingindo o orgasmo ali, na nossa frente, enquanto liam literatura.

É século 21, mas isso ainda parece ousado demais, profano demais. Obsceno. Mas como isso se daria quando a própria arte se propõe a levar ao corpo essa distração controlada? Temos acompanhado recentemente um boom de publicações eróticas, sobretudo voltadas ao público feminino. E que fizeram grande sucesso.

Calcula-se que a série Cinquenta Tons de Cinza, de E.L. James, por exemplo, tenha vendido mais de 100 milhões de cópias em todo o mundo. Apesar da sugestão da ousadia, são quase contos de fadas para mulheres adultas. Mas com alguma insinuação de práticas mais intensas e não ortodoxas de fantasias sexuais.

Talvez esse sucesso editorial, assim como a viralização das performances dirigidas por Cubitt, explique-se por uma constatação breve: a sexualidade feminina, principalmente aquela que a mulher explora em si mesma, é um imenso tabu. E como tudo o que é interdito, escandaliza na mesma medida em que desperta o desejo – e o desejo tem sido muito bem explorado neste século.

Hilda Hilst

Ao longo da carreira, Hilda Hilst transitou entre uma poesia pouco lida e uma obra erótica que foi um escândalo

Mas houve na história da literatura recente quem extrapolou o, digamos, aceitável. Em 1990, a escritora Hilda Hilst (1930-2004) já havia publicado mais de 25 títulos e conquistado certa notoriedade na crítica, sobretudo a acadêmica, de modo que não saía muito do perímetro das universidades.

Em outras palavras, não era lida. Não pelo grande público.

Seus livros saíam por editoras pequenas, com tiragens baixas. Além disso, por conta de sua poesia complexa e suas inovações na prosa, recebeu a pecha de hermética, o que a afastava ainda mais dos leitores.

Em muitas entrevistas da época, Hilda Hilst explicou que se encontrava insatisfeita em não ser compreendida.

E foi essa a motivação para escrever uma obra cheia de “bandalheiras” – quem sabe assim a notariam, como haviam notado Régine Deforges, a autora da série A Bicicleta Azul, um grande best-seller da época. Um romance água com açúcar com ousadia na medida.

Literatura de tabu

Pois Hilda surpreendeu a todos quando lançou O Caderno Rosa de Lori Lamby, um romance cuja protagonista, a garotinha Lamby, de 6 anos, conta suas peripécias sexuais em um diário.

E, se é preciso um escândalo para virar notícia, não fica difícil entender por que Hilda Hilst ficou conhecida. Por um tempo mais por essa obra do que por toda a sua magistral carreira poética até ali. Um romance com cenas sexuais tanto não ortodoxas quanto explícitas, e contadas por uma criança. Não é de todo surpresa que tenha chocado seus leitores.

Mas isso é dizer muito pouco da obra. Na sequência, ela lançou ainda Contos D’Escárnio: Textos Grotescos e Cartas de um Sedutor (além da pequena reunião de poemas, também mais escrachados, que integram Bufólicas).

Todas as obras fazem referência ao mercado editorial, à história literária, aos gêneros mais refinados dessa arte e, principalmente, aos tabus. Além das críticas explícitas e irônicas a esse contexto de publicação literária, o que Hilda Hilst chacoalha com essas obras é o limite da nossa própria fantasia.

É claro que ela não pensava, apesar das declarações polêmicas, que alguém se excitasse lendo uma descrição de prazeres sexuais de uma criança.

O ponto aqui, como na obra de Clayton Cubitt, é chegar ao limite: o que é aceitável nesse jogo? Até onde conseguimos nos libertar para apreciar uma obra sem as interdições que a sexualidade, principalmente a feminina, nos impõe?

*Matéria de Vanessa Rodrigues originalmente publicada na edição 221 da revista TOPVIEW.

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