ESTILO

O design descomplicado da Fetiche

Há dois anos em São Paulo, Carolina Armellini e Paulo Biacchi curtem a boa fase, muito mais madura e desafiadora

Há três anos conheci Carolina Armellini e Paulo Biacchi. Na época, eles surgiam como talentos promissores do design local e dividiam uma matéria com outros dois escritórios da cidade. A entrevista foi no estúdio deles, uma descolada casa no bairro São Francisco. Na ocasião, sintetizei a conversa em pouco mais de 1.400 palavras – o equivalente a duas páginas da edição especial sobre arquitetura e design. Hoje, esse espaço já não seria suficiente para falar deles.

Muita coisa mudou nesse curto espaço de tempo. A começar pelo cenário da entrevista – um confortável apartamento no bairro Pinheiros, em São Paulo, onde eles vivem com o filho Francisco, de dois anos, e a vira-lata Chanel. Nada de glamour.

O imóvel é prático. Como se imagina que seja o lar de pais de primeira viagem que trabalham fora. Se de um lado estão paredes rabiscadas com lápis de cor, dinossauros em miniaturas e réplicas plásticas de heróis como Batman, Superman e Iron Man, do outro, a mesa Vergalho – menina dos olhos do casal – compõe o cômodo que é sala de jantar, escritório coletivo e cenário para o Tente isso em casa.

O canal foi ideia deles e surgiu ano passado, em parceria com uma das revistas de arquitetura e decoração de mais prestígio no Brasil, a Casa e Jardim. Contrato encerrado, Paulo e Carol seguiram com a ideia de mostrar que é possível criar objetos de design para a casa e em casa, de forma simples e descomplicada. Na ativa desde fevereiro deste ano, o canal Tente isso em casa no Youtube tem mais de 15 mil inscritos.

Agora “personalidades da internet”, Carol e Paulo desenvolveram naturalmente o repertório cultural que reflete um trabalho, hoje, muito mais maduro. Além do mobiliário urbano, com o qual a marca trabalha desde 2008, já fizeram frasco de perfume e uma coleção de papel de parede. Estão focados no mercado, mas, ao mesmo tempo, relaxados – receber a Top View de moletom e pés descalços diz alguma coisa sobre isso.

Em agosto, a dupla estreou na nova temporada do programa Decora, do canal de televisão pago GNT. Comandada pelo arquiteto Maurício Arruda, a atração traz os experimentos de Paulo e Carol, assim como no canal da internet. “É uma forma de atingir um público diferente, que tenha um interesse em algo mais funcional do que conceitual”, afirma Paulo, ainda que cada criação tenha uma carga forte de design, como o cabideiro de concreto, um dos projetos mais populares, com mais de 20 mil visualizações.

Paralelo ao Tente, surgiu a oportunidade de criar um mobiliário exclusivo para o novo Café do Museu Oscar Niemeyer (MON), recentemente reestruturado. O convite veio do escritório do arquiteto e urbanista Jaime Lerner, responsável pelo projeto, e reflete justamente esse momento digamos, mais evoluído, em que a Fetiche está. Em madeira, a Poltrona MON passa a fazer parte do acervo permanente do museu e tem produção e venda pela NOS Furniture.

Mais verdade, por favor

Na era das selfies, onde o narcisismo prevalece e as pessoas têm buscado, cada vez mais, a supervalorização da própria imagem, tudo o que eles querem é “menos carão e mais verdade”. Esse desejo quase utópico de “viver sem construir cascas” pode ser traduzido no jeito simples como eles encaram a vida – e que reverbera em um design limpo e descontraído.

Donos de uma autenticidade incomum, eles conseguiram ao longo destes anos manter o estilo pelo qual a Fetiche foi reconhecida em 2010, no lançamento do icônico banco R540 (que abre esta matéria), publicado em mais de 200 sites nacionais e internacionais, exposto no Museu da Casa Brasileira e vencedor de vários prêmios.

E ainda que considerem que ensinar a pescar ao invés de vender o peixe é arriscado, admitem que a ideia do Tente isso em casa é justamente essa. “Por que as pessoas não podem aprender do jeito certo? Fazer algo que dure e seja bacana?” E se o canal é uma iniciativa de aproximar o design autoral das pessoas, Carol garante, no entanto, que essa relação está longe de se tornar tão popular quanto a gastronomia, por exemplo, que ganhou voz nos últimos anos com os programas de reality show e canais online.

A iniciativa deles – que, segundo eles próprios, assustou muitas marcas – não é tão chocante assim para quem acompanha a trajetória da Fetiche. Como esquecer a polêmica coleção Conserta-se móveis – tratar aqui, em que eles ganharam notoriedade nacional ao reaproveitar móveis antigos e danificados na composição de novas peças? “Era um período de frustração com a indústria e também com o mercado”, conta Carol. Mal sabiam eles que, ao brincar de valorizar o imperfeito, estavam se posicionando e ganhando respeito de profissionais conceituados do mercado nacional.

Curitiba-São Paulo

Impossível falar da Fetiche e não citar o designer Marcelo Rosenbaum. Já faz algum tempo que os dois escritórios trabalham juntos – no estúdio a algumas quadras do apartamento de Carol e Paulo. Ao lado de Rosenbaum, em uma espécie de sociedade aberta, o casal atende clientes como L’Occitane, Fundação Bradesco, Masisa, Barilla, Tidelli, Branco e Oppa, e tem autonomia para tomar decisões no lugar do amigo.

A responsabilidade é grande, mas eles dão conta. O fato de terem liberdade para criar sozinhos também ajuda. As parcerias entre os dois escritórios trazem o selo Rosenbaum e O Fetiche e podem ser vistas, por exemplo, na coleção lançada pela Oppa em 2015. Paralelamente, Paulo ainda consegue dar palestras sobre inovação em lugares como Uruguai e Paraíba – para citar apenas dois dos últimos destinos visitados.

Tudo aconteceu naturalmente. A ida para São Paulo, em novembro de 2014, abriu muitas portas e tem sido um importante trampolim. “Foi a maneira mais prática de resolver as coisas”, explica Carol. Mas não a mais fácil. “Deve fazer três meses que parei de chorar”, brinca a designer. Grávida do primeiro filho, foi inevitável sentir medo. “Nunca pensamos que seria tão difícil”, admite Paulo. Imagine então, aos sete meses de vida dele, mudar de mala e cuia para uma cidade do tamanho da capital paulistana.

“Desde 2010 a gente queria ‘testar’ essa ideia. Mas não vejo como definitivo”, garante. O começo na cidade grande, segundo eles, foi pesado. E embora tenham ido justamente em busca disso, admitem que o ritmo agitado cansa, esgota. “Mas nosso momento agora é aqui”, garante Paulo.

Longe de Curitiba, sentem falta de um ritmo mais calmo, uma rotina que permita almoçar no Bar Jacobina e voltar ao trabalho, ou passear pela Praça da Espanha e tomar um café na Fabiano Marcolini – programas tão apreciados por eles.

E se manter um relacionamento por 15 anos já não é fácil, dividir uma empresa com a mesma pessoa com a qual você vive soa desafiador. E aqui, são francos ao admitir que separar uma coisa da outra é impossível. “Já chegamos a pensar em cada um ir para uma área.” Por outro lado, nada disso aqui faria sentido se eles não estivessem juntos. A Fetiche é, assim como Francisco, uma soma dos dois. Uma sinergia entre a criatividade dele e o olhar crítico dela.

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