CULTURA ARTES

Artistas locais e as experiências fora do Brasil

por Yasmin Taketani
fotos Eduardo Macarios

Como saber se uma obra é boa ou ruim? Ou calcular seu valor financeiro? Para Alain Quemin, essas dúvidas caracterizam o mercado de arte contemporânea – e não é diferente com a produção curitibana. O sociólogo francês defende que o preço de uma obra depende de seu valor estético, o qual é conferido por críticos, galeristas, curadores, colecionadores e artistas.

Por outro lado, acrescenta, o preço também é “um dos critérios de certificação do valor estético”. Mais recentemente, entrou nesse cálculo a inserção internacional do artista, por intermédio de representações, exposições e residências [quando ele passa um tempo em outro local, produzindo longe de seu ateliê habitual], investimento que muitas galerias brasileiras têm feito, atentas ao mercado global. “A partir do momento em que um artista consegue sacramentar seu trabalho no mercado internacional, é bom para todos – artista, galeria e colecionador.

Assim, melhor vai ser sua cotização”, explica Guilherme Simões de Assis, proprietário da galeria curitibana SIM. Sobretudo, é uma experiência de vida, como Margit Soares, da Farol Galeria, e o próprio Simões de Assis defendem. “Sempre resulta no amadurecimento do trabalho”, opina o galerista.

De alguma forma, a validação internacional também se reflete na apreciação ou descoberta do artista no Brasil. Depois de ouvir agentes do mercado de arte local, a TOP VIEW selecionou seis artistas em ascensão, que abriram seus ateliês e conversaram sobre suas obras.

 André Mendes

Numa rua tranquila, próxima ao estádio do Atlético, André Mendes divide um amplo ateliê com o fotógrafo Antonio Wolff. A parte que cabe ao artista plástico é ocupada por um conjunto improvável: um enorme banco de madeira, pedaços de resina pendurados a partir do teto, material de pintura espalhado, um sofá de três lugares e um minicavalo (?) de plástico.

Vestindo seu macacão branco de trabalho, Mendes poderia passar tanto por funcionário de algum centro de controle de doenças quanto um investigador do “quadridimensional”, como ele sugere. Na atual dimensão de sua obra, o artista retorna à pintura a óleo, após explorar o bidimensional (em desenhos) e o tridimensional (formas em resina). “Eu não sei o porquê exatamente das formas que eu pinto”, pondera Mendes, representado pela Galeria Zilda Fraletti, tentando não soar esotérico. “Elas representam uma situação do universo que eu visualizo, de como as coisas se organizam, de como a matéria existe.”

Nesta série, que ele desenvolve desde 2011, o figurativo baseado na experiência cotidiana dá lugar a telas abstratas, expostas em 2015 na Tailândia. As pinturas buscam expandir o plano tridimensional, misturando luz, energia, fluxo líquido e profundidade.

Como na tela ao lado, o espectador imerge nessa estranha materialidade por meio de formas geométricas e linhas coloridas sobre um fundo preto, por mais de quatro metros de largura, rumo a uma nova dimensão.

Juan Parada

Juan Parada tem o fogo como seu coautor. A obra do artista se desenvolve em torno da cerâmica, utilizando também materiais como fibra, metal e elementos orgânicos. Sempre provocativo acerca da funcionalidade e do aspecto ornamental em que pode recair a arte, ele transita por áreas como arquitetura, design e paisagismo.

Da varanda de seu apartamento/ateliê (tomada por plantas), por exemplo, é possível ver um de seus invólucros de fibra de vidro, que encapsulam plantas, folhas ou fibra de coco, sobre a fachada de um edifício pichado, em meio à selva urbana. “O objeto chama atenção àquele canto e imanta tudo o que está em volta”, observa o artista, indicado ao PIPA 2015, prêmio nacional de arte contemporânea.

O contexto, portanto, é essencial às conexões e questionamentos que Parada propõe, em obras conceituais, as também voltadas à visualidade. Para o artista, interessa ter pertinência ao momento presente, discutir questões atuais – como a relação com a natureza, mas sem cair na ecologia. “Por trás da obra tem uma discussão mais profunda, que não necessariamente a pessoa vai atingir, mas ela vai ser sensibilizada”, afirma Parada, que expôs seu trabalho em Bangkok, com André Mendes. “A arte tem esse sentido, principalmente de sensibilizar, e quem sabe em determinado ponto desenvolver senso crítico.”

Tatiana Stropp

Assim como a luz que entra em seu ateliê, Tatiana Stropp nos recebe com generosidade. Paulista radicada em Curitiba, a artista determinou a base de seu trabalho logo após os estudos de pintura: pinceladas contínuas de tinta a óleo, que vão se sobrepondo suavemente em chapas de alumínio.

Os mais de dez anos em que investiga a relação entre as cores poderiam resultar em monotonia, mas a sutileza torna a linguagem de Tatiana extremamente rica. “Por mais que a tinta seja preparada antes, nos pratos, eu não sei muito bem que resultado terei na tela”, explica a artista, que investe de três a quatro meses em cada obra. “A cor acontece no quadro, a mistura se dá na própria superfície.”

Os resultados também variam conforme o corte da chapa, a preparação do alumínio (que pode gerar texturas e aspectos distintos) e a densa camada de tinta acrílica no verso, que rebate na parede e soma ao quadro em si.

Sua obra já foi apresentada em Madri, Espanha, e em diversas cidades brasileiras, e ao longo do tempo adquiriu a precisão de cores: uma gama menor mas rigorosa, às vezes beirando o branco.

Sem grandes discursos ou teorias, o “aqui e agora” é insubstituível para conhecer a obra de Tatiana Stropp. “O trabalho tem que te surpreender, fazer ver que tem um mundo além”, defende a artista, representada pelas galerias Ybakatu e Art/Arq.

Rafael Silveira

As obras de Rafael Silveira são facilmente reconhecidas, e não somente pela moldura entalhada, de forte apelo estético, pensada como uma extensão da pintura que cerca. O artista plástico construiu um estilo particular, que alguns chamam de 
“surrealismo pop”, em referência ao seu universo – o figurativo imune às fronteiras da realidade, ligado à estética dos anos 1950 e 1960 e das histórias em quadrinhos, que termina por constituir uma época própria.

Para dar forma às suas ideias bem-humoradas, Silveira encarna o “engenheiro da imagem”, um pesquisador incansável e metódico de técnicas e processos antigos. “Não acredito no novo”, diz o artista, crítico da ambição de alguns colegas de classe, em frente à estante de livros de arte e HQs em seu ateliê. “Estamos num período de fácil acesso a todo o conhecimento gerado pelos nossos antepassados. Não usar isso… Você não vai fazer nada de novo, está em 2015!”

Independentemente da estética vintage, suas pinturas a óleo – recentemente expostas em São Paulo (onde é representado pela Choque Cultural), em Londres e Nova York – intrigam o espectador pela meticulosidade, pela variedade de referências e pelas interrogações que suscitam.

 André Azevedo

O interesse por materiais, desde as feiras de ciências na escola, pauta o caminho de André Azevedo para a arte. No seu trabalho, a matéria dá origem a combinações improváveis, como cobertor e cimento, tecido de cortina e fogo. “Me atrai muito lidar com o objeto ordinário do mundo”, resume o artista. Azevedo também trabalha com moda, cinema e ilustração – áreas que dialogam com sua produção artística –, e tem na internet sua principal plataforma de divulgação.

É assim que suas criações chegam a Pequim, Londres, Hong Kong e Coreia do Sul. Em seu ateliê na rua São Francisco (onde o expediente dificilmente ultrapassa as seis da tarde, já que o local concentra diversos bares), Azevedo vem buscando diferentes possibilidades para a pintura: a série Macrocélulas (já vista na SIM Galeria e no restaurante Nômade) tem início com a pintura abstrata sobre um pedaço de lona, que em seguida é recortada em tiras e rearranjada para formar um conjunto de casulos.

Presa à parede, sujeita à gravidade, a peça se estrutura e passa a refletir as cores iniciais e outras criadas a partir da junção das tiras: forma-se uma pintura, que muda conforme as células estão dispostas, conforme a luz e o fundo. “É uma mecânica de expressão de sensações”, pondera sobre seu trabalho, que relaciona ao campo do sutil que se perde no cotidiano. “O artista levanta questões, equaliza sensações e ativa estados sensoriais internos no espectador.”

 C.L Salvaro

Atualmente vivendo em Belo Horizonte (MG), o curitibano, representado pela galeria Ybakatu, se aprofunda no site specific – modelo de obra elaborada para um local específico e que se relaciona com esse espaço.

Não raro, portanto, C. L. Salvaro tem como ponto de partida o próprio ambiente expositivo, a partir de e no qual cria brechas nas convenções: algumas de suas ações incluem bloquear uma sala de museu com um painel do próprio local; criar labirintos com materiais do espaço em questão; interditar a entrada principal de uma galeria; dispor moedas encontradas nas ruas de Valparaíso, no Chile, onde fez uma residência, pelo piso de onde costumava ser a Bolsa de Valores.

Objetos encontrados ao acaso ou ordinários são, aliás, matéria para sua proposta de desestabilizar o lugar-comum, os códigos que nos passam despercebidos. Pois além das implicações físicas – que constroem a percepção do espectador, na medida em que interferem em sua rota e geram interação – suas obras propõem relações simbólicas, até mesmo com o mercado de arte.

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