ESTILO

Osvaldo Colarusso: o maestro sem orquestra

Ele trocou a batuta pelo microfone. Depois de quase duas décadas à frente de grandes orquestras, Osvaldo Colarusso levou a música erudita para a Rádio Educativa

Pelo vidro do estúdio da rádio Educativa do Paraná é possível vê-lo sentado na bancada. Para chegar até o aquário onde Osvaldo Colarusso grava seus programas, o visitante passa por outros locutores, arquivos de discos, mesas de áudio e ilhas de edição. Veste uma blusa de lã cinza, da mesma cor do revestimento de espuma das paredes que garante o isolamento sonoro da pequena sala. Sobre a sua mesa, um pequeno roteiro com as indicações de entrada das músicas que deixou em MP3 com o operador de áudio Joaci Santos. Na mesa do colega, uma cópia do script: detalhado e preciso. “O Colarusso é um dos mais fáceis de editar”, elogia.

Em aproximadamente duas horas de gravação, Osvaldo deixa material suficiente para quatro programas. O material de gaveta gravado antecipadamente é tão farto que ele chega a desejar “feliz natal” em uma das locuções, embora faltem mais de dois meses para o fim do ano. Osvaldo Colarusso grava suas falas com ritmo, erra pouco (muito pouco, ressalta-se) e quando o faz, retoma o discurso no meio da fala. É relativamente incomum que o operador de áudio e locutor acertem justamente a retomada em um local sem ponto ou vírgula.

Mas o gesto preciso da mão sem batuta do maestro locutor dá conta de indicar a partir de onde quer refazer; e a experiência do companheiro, com quem Osvaldo trabalha desde o início do projeto, dá conta do ajuste. Assim é feito O Maestro Explica, programa que vai ao ar todos os domingos do meio-dia às duas horas da tarde pela emissora estatal paranaense.

O começo de tudo

A história de Colarusso como músico começa com uma trompa em suas mãos adolescentes. A complexidade do instrumento de sopro encantou o garoto crescido na capital paulista, no bairro italiano da Mooca. De escala em escala, chegou até a Unesp para estudar na década de 1970. Um dos professores, o francês Michel Philippot, provocou o jovem – já com os olhos no posto mais elevado defronte à orquestra. “Se quer ser maestro, tem que aprender piano.” Argumento aceito, seria mais do que aluno do mestre.

Além das aulas na universidade, tomava lições na residência do estrangeiro, que logo o indicou para concluir os estudos em Composição e Regência na França, no Conservatório de Paris. De tudo o que aprendeu com o mentor, a disciplina de Harmonia (o estudo dos acordes) foi a lição mais bem absorvida. Hoje dá aulas do tema para alunos particulares. E faz questão de ressaltar: “É difícil um aluno de música erudita paranaense não ter passado por mim nos últimos 30 anos.”

Na sua sala de aula, em um apartamento de classe média, circundado por estantes com livros e CDs até o teto, fica um piano. Acima dele, uma foto de um dos seus artistas inspiradores: o húngaro Béla Bartók (1881 – 1945). O registro é datado de 1908 e mostra o compositor em plena atividade de pesquisador musical, gravando canções populares na voz de camponeses. “Reparou que eles estão com suas melhores roupas? E descalços?”, admira o maestro. É deste ambiente, de onde os ruídos da movimentada rua da frente pouco abalam o silêncio imperioso para o estudo da música, que Osvaldo Colarusso produz seus programas de rádio.

De terça a sexta, das 8h30 às 11h30, afirma estar comprometido com a pesquisa e a escrita dos roteiros das suas participações na emissora. O horário não é escolhido ao acaso: se ainda estivesse regendo a Orquestra Sinfônica do Paraná, seria o período de ensaio junto ao grupo no Teatro Guaíra. Como hoje está cedido para a rádio do estado, afirma (justificando com a disciplina musical) manter o mesmo compromisso de horas.

O melhor é sair no auge

Sobre sua saída da principal orquestra da terra das araucárias, com a qual regeu mais de 300 apresentações, fala pouco. Refere-se apenas a desacertos com superiores da administração pública. Apesar das diferenças passadas e silenciadas pelo artista, não é possível entendê-lo sem lançar um olhar atento aos seus 13 anos na OSP. 1985 foi o ano em que decidiu, depois de meia década, deixar o posto de maestro no Teatro Municipal de São Paulo para assumir uma vaga no maior teatro do Paraná.

Concursado, esteve à frente de grandes produções, as principais delas bancadas pelas épocas de vacas gordas do primeiro mandato do então governador Roberto Requião, no início da década de 1990. Daquela leva, vieram os trabalhos como regente de obras como O Barbeiro de Sevilha, Carmem, La Boheme, Dom Carmino e outros títulos. “O maestro deve conhecer a obra como um todo, melhor do que qualquer outro músico da orquestra”, diz.

Em mais de uma década à frente de um corpo de músicos nem sempre coeso, ele fez da batuta um instrumento não só de regência de sons, mas também de desejos e conflitos: “O maestro unifica a visão musical de um grande grupo de pessoas”, atesta. E respira com o alívio de quem já não vive mais aqueles conflitos. “Eu me cansei destas vaidades. O músico de orquestra é um solista frustrado”, desabafa. E sorri falando que atualmente gosta de ser maestro convidado.

São quatro ou cinco concertos por ano em cidades diferentes, nas quais chega para uma semana de ensaios antes das apresentações. E só. Além disso, as relações entre músicos e regente desandam, analisa. Melhor é sair no auge, antes mesmo do bis. “A orquestra derruba um maestro.” Colarusso, no entanto, ressente-se da dificuldade de viabilizar estas curtas temporadas alhures, já que normalmente maestros oferecem os próprios postos de regência como moeda de troca para colegas.

“Sou um maestro sem orquestra”, brinca. A expressão é forte, verdadeira e rude, se colocada fora de contexto. Além disso, não traduz inteiramente o trabalho que Osvaldo Colarusso vem desenvolvendo com mais intensidade desde 1998. Naquele ano, após anunciar no Teatro Guaíra que procuraria outra colocação no quadro dos servidores estaduais, bateu à porta da Rádio Educativa. Logo nasceu a ideia de criar programas que explicassem a música erudita, apresentando e comentando obras desconhecidas do grande público. Já foram várias as atrações produzidas e apresentadas pelo maestro. Algumas encerradas devido aos humores dos governantes do momento, outras que perderam espaço para a contínua necessidade de renovação do veículo, medo que ainda assombra o maestro.

Atualmente ele responde por três programas na grade: além de O Maestro Explica, comanda o Falando de Música e Os Grandes Ciclos da História da Música. E quando se senta na bancada dos radialistas da Educativa, Colarusso é também regido, porém, pela batuta de quem lhe edita o tempo do que vai ao ar: “Deixa eu conferir a gravação para ver se não vai precisar cortar alguma coisa”, alerta o operador de áudio.

E precisou. Apoiado na porta entreaberta do estúdio, Colarusso fala qual trecho do famoso oratório Messias, de Georg Friederich Händel, será mexido. Decidido o corte, volta para o estúdio para comentar alguns trechos da peça que abriga o tão famoso movimento Aleluia. Em outra pausa durante a gravação, Colarusso toma um gole de água e senta na bancada da mesa de áudio. O papo, descompromissado, versa (provocado por ele) sobre filhos. Joaci, o operador de áudio, tem três, e como o escriba aqui acabou de ter o primeiro, Colarusso deixa escapar uma pontinha de tristeza por não ter conseguido adotar um. Entrou com um longo e penoso processo para conquistar o direito de educar uma criança que conheceu em uma casa lar: “Sabe o que o juiz que negou o pedido me disse? Com quantos anos você estará daqui a 20 anos? O que poderá oferecer para a criança?”

Colarusso tem 55 anos. Vive sozinho em um confortável apartamento. Ou melhor, divide o espaço com um cachorro vira-lata. Junto com alguns vizinhos, cuida ainda de outros três cães recolhidos das ruas e que agora vivem no terreno de um comércio próximo. Sobre o filho que não conseguiu adotar, conta que continua visitando e ajudando a instituição que o abriga. Ele conheceu o local depois de enfrentar uma crise de depressão. Superou, afirma, pela vontade de ajudar e fazer alguma coisa boa a partir daquele sentimento. Se pensa em entrar com um novo processo para conseguir a adoção do garoto?

“Teria que refazer todo o caminho – lamenta decepcionado – e torcer para cair nas mãos de outro juiz. Aquele que negou o meu pedido era, digamos, bastante… Bastante antigo”, resume, hesitando e certamente falando um adjetivo diferente do que realmente pensou.

Findo o papo, o maestro volta para o “aquário” para gravar as locuções e apresentar mais algumas das principais obras da História. Muitas delas ele conheceu ainda criança, ao lado do seu pai que era físico e gostava muito de música erudita. Ao lado dele, o pequeno Osvaldo colava um ouvido no rádio e outro nas informações sobre os compositores, faladas pelo seu genitor durante as transmissões. Percebendo o interesse do pequeno e lendo páginas de uma coleção sobre música, sem saber, João Carlos Santos formava um comunicador que um dia trocaria a batuta pelo microfone.

*Matéria publicada originalmente por Luiz Andrioli na edição 157 da revista TOPVIEW.

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