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Alex: “[O futebol] é uma fábrica de ilusões”

Dono de casa e ex-deus na Turquia, o jogador de futebol revela desejo de voltar aos campos

O ex-jogador de futebol Alexsandro de Souza, o Alex, deixou de ser um “deus” na Turquia, onde é mais famoso que Pelé, para virar pai e dono de casa em Curitiba. Tem uma rotina simples: vai à academia, faz terapia, leva e busca os filhos na escola. Trabalha uma vez por semana, como comentarista esportivo. E não está satisfeito com isso.

Aposentado dos gramados há quase três anos, o meia chegou a ter uma estátua com o seu semblante erguida em frente ao estádio do Fenerbahçe, em Istambul. Torcedores fazem peregrinação para ver a estátua, acreditam que dá sorte. Na época, ele não podia sair à rua sem causar tumulto. Hoje, tudo isso parece distante.

Humilde, Alex reconhece que não foi um gênio do esporte, mas admite que também não foi medíocre. Na entrevista, nem um escritório simples no Bigorrilho, onde administra seus bens “para fugir um pouco de casa”, o ex-jogador revela que gostaria de voltar ao futebol, em algum cargo técnico ou administrativo.

Alex se compara a um bebê que está aprendendo a andar de novo. O meia, que já marcou mais de 400 gols na carreira no Coritiba, Palmeiras, Flamengo, Cruzeiro, Fenerbahçe e Parma, atrás apenas de Pelé e Zico, confessa sobre a nova rotina: “Estou chegando no meu limite”.

O meia já marcou mais de 400 gols na carreira no Coritiba, Palmeiras, Flamengo, Cruzeiro, Fenerbahçe e Parma.

Você sente falta da Turquia? Não. Hoje eu tenho a vida que realmente queria ter no pós-futebol: poder caminhar na rua, ir ao cinema, acompanhar meus filhos. Na Turquia, isso não me era permitido por causa dessa loucura, desse fanatismo.

O fanatismo o incomodava? Não, mas ter que se programar para fazer algo simples é difícil. Na Turquia, se fosse ao aeroporto, tinha que programar, ir com segurança… no Brasil, esse cuidado seria desnecessário.

Na Turquia você é um Pelé? É uma coisa engraçada, porque em qualquer lugar do mundo, quando se fala em futebol, as pessoas pensam em Pelé, Zico, Ronaldo, Romário. Talvez a Turquia seja o único lugar em que meu nome vem na frente desses caras.

A que você deve esse momento bom no exterior? Parei para pensar sobre isso várias vezes. Vivi momentos bons no Coritiba, Palmeiras, Cruzeiro, mas também houve momentos ruins, de desgaste. Mas na Turquia não, a coisa funcionou. O que houve de diferente lá eu não consegui entender.

Você ficou meio desacreditado com o futebol do Brasil depois de perder a vaga na seleção em 2002? Na época, sim, a tristeza era enorme. Mas, hoje em dia, já sou bem resolvido com isso.

O que faz hoje? Eu trabalho na televisão [no canal ESPN], só no domingo. Fora isso, sou pai, marido, filho, dono de casa…

Faz trabalho de casa também? Se precisar, eu faço, até para desopilar um pouquinho.

O que você acha dessa nova rotina? É bom, mas diferente do que eu vivia. No futebol, você vive no seu limite diariamente. E, fora, a adrenalina é zero.

Você gosta dessa vida mais pacata? Não, estou chegando no meu limite já.

O que vai fazer? Provavelmente eu volte para o futebol, mas não sei. É uma dúvida se na área administrativa ou dentro do campo.

Deve ter um monte de convites. Sim, tive alguns ao longo do tempo, continuo tendo. Continuo negando-os, mas, agora, com menos convicção (risos).

As pessoas ainda fazem peregrinação para a sua estátua na Turquia? Fazem. É muito louco. Não sou líder espiritual de ninguém, mas as pessoas acreditam. O turco é muito supersticioso. Se alguém tocou minha estátua e seu time ganhou, ele passa a acreditar.

A volta ao Brasil abalou o seu ego? Não. Minha vaidade é nenhuma. Quando comecei a jogar bola, tinha a intenção de dar uma casa para os meus pais, [o que] já consegui no primeiro ano. Depois, queria me divertir com a bola. Tive preocupação zero com dinheiro, porque sabia que, jogando bem, as coisas aconteceriam. Nunca tive isso de o time perdeu ou ganhou por minha causa. Vivi os dois lados: tem gente que me chama de gênio, tem gente que fala que não joguei p**** nenhuma.

Não o abala? Para mim, dá na mesma. Acho que joguei em um bom nível. Sei que não fui gênio, mas também sei que não fui medíocre. As pessoas falam e eu apenas respeito.

O que você faz no seu escritório? É para fugir um pouco de casa. Tenho que cuidar das minhas aplicações, do dinheiro, pagar contas. Eu sabia que iria ganhar um volume financeiro maior do que 90% da população, porque o futebol oferece isso, e tinha a preocupação de manter o que ganhei. Vi muito jogador que perdeu a condição financeira por falta de cuidado. Sempre fui muito pragmático.

Tem muito jogador deslumbrado, que não cuida das finanças? O futebol cria isso. É uma fábrica de ilusões. Eu, graças a Deus, não caí em nenhuma. Sempre me imaginei no pós-futebol, sem glamour, sem imprensa…

Era o que você queria, chegar a esse momento? Não o que queria, mas o que imaginava. Eu, quando criança, via vários ex-jogadores que as pessoas cruzavam na rua e nem sabiam quem era. Eu conhecia porque era fã de futebol. Aí tinha a curiosidade de saber como esse ex-jogador vivia, como estava… hoje, sou eu que estou nesse momento. Tenho a chance de falar para meninos que me viram jogar que existe vida fora do futebol.

E como você começou a jogar bola? Jogava na rua. Um dia, um amigo mais velho, que jogava no Coritiba, perguntou se eu queria fazer uma peneira no clube. Meu pai juntou um dinheiro e eu fui. Tinha nove para dez anos. O treinador me segurou e disse que, por causa da idade, ele me levaria para jogar futebol de salão na AABB [Associação Atlética Banco do Brasil]. Fiquei lá de 1987 a 1990 e, de 1990 a 1995, me dividi entre a AABB e o Coritiba. Saí quando estreei no profissional, [aos] 17 anos.

Sua família soube lidar com a sua carreira? Eles tinham dificuldades financeiras grandes. Meu pai trabalhava na construção civil e minha mãe era cozinheira. E o único que nunca ficou desempregado em casa em algum momento fui eu. Comecei a ganhar dinheiro com futebol aos 12 anos.

Você ganhava mais que eles? Quando estavam desempregados, sim. Eu entendi que era uma forma de trabalhar. Meus pais interferiam muito pouco em relação ao futebol, só queriam que eu estudasse. Estudei até quando tive que escolher o curso do vestibular, mas já estava no [futebol] profissional e não tive cabeça para isso.

Você pensa em fazer uma faculdade agora? Pensei muito no final da carreira. Depois, com a correria do dia a dia, com as três crianças, vi que não tem condições.

Que área lhe interessa? Me interessava por Antropologia. Eu até imaginava fazer outra coisa, mas morria na casca, porque logo vinha um treino, um jogo e eu acabava desistindo.

Daria para estudar futebol por um viés antropológico. Eu acho que toda comissão técnica de futebol tinha que ter um antropólogo. Imagina como você consegue juntar 30, 40 cabeças de culturas totalmente diferentes e fazer com que as pessoas remem na mesma direção. Mas futebol é uma coisa muito fechada.

No seu site, você cita uma frase do Falcão que diz que um jogador de futebol morre duas vezes, a primeira quando deixa o campo. Você sentiu a saída do futebol como uma morte? Tratei de uma forma diferente: em vez de morte, eu queria ter um renascimento. Como um bebê mesmo.

Você está em que fase agora? Estou aprendendo a andar, com um ano e meio, dois anos de vida. Porque a vida fora é muito diferente da vida dentro do futebol. Eu tinha uma motivação diária que era treinar melhor do que ontem. Fora do campo, tem dias em que você tem que inventar algo para fazer.

O que você inventa? Um monte de coisa. Vou ao escritório, levo um filho para a escola, a outra ao tênis e, no meio disso, tem o cotidiano, os problemas.

Você tem algum hobby? Quando parei de jogar, tentei aprender tênis, mas vi que não levo jeito nenhum. Aí, fui inventando: fui andar de bicicleta, correr na academia. Hoje, tenho uma rotina simples. Faço terapia desde que jogava e continuo fazendo, resolvendo meus problemas internos.

A terapia o ajuda? Muito. Problemas internos todos nós temos.

Como você se definiria em uma palavra? Simples.

O ex-jogador confessa que sente falta da adrenalina do futebol e faz terapia entender onde começa e termina o Alex jogador e o Alex “pessoa”.

Qual é o seu maior medo? É uma preocupação que meus filhos, quando chegarem na idade correta, sejam independentes.

E alegria? A minha maior satisfação enquanto ex-jogador é quando vejo gente que eu via jogando, de gerações anteriores, e os caras me tratam como um deles. Hoje eu pego o telefone e ligo para o Zico. Para mim, isso é assustador.

Qual é o seu maior ídolo no futebol? O Zico mesmo. Tenho amizade com alguns ex-atletas que me causam sensação de fã. Por exemplo, meus filhos frequentam o Clube Curitibano, e o treinador de vôlei lá é o Jorge Edson, que foi campeão olímpico em 1992. Eu converso com ele praticamente toda semana, mas ainda vejo o campeão olímpico. Preciso me policiar para entender que nós dois somos ex-atletas. Eu sei o quão duro foi para cada um conquistar o nível em que chegou, então respeito muito.

É uma carreira difícil. É para poucos. O jogador de futebol trabalha para divertir os outros. Domingo a gente está concentrado em quem está no churrasco em casa e vai para o campo ver o time. Se você fizer a coisa bem-feita, ele vai te aplaudir, vai para casa feliz. Se não, vai te xingar e volta triste. Nossa responsabilidade é grande.

Você preferia estar no domingo em casa ou concentrado antes do jogo? Depende. Há cinco anos, preferiria estar no estresse. Hoje, prefiro estar no churrasco. Aí entendo os dois lados, de quem está no campo e quem está na arquibancada.

Dá um nó na cabeça? Uma das relações da terapia era essa: entender onde começa e termina o Alex jogador e o Alex pessoa. Infelizmente, todos os atletas são duas pessoas. A imagem que o público recebe e julga, e a realidade. Tem muita coisa que acontece que jamais chega ao torcedor.

O que chega para o público geralmente é uma vida glamourosa, de festa… O Neymar com os parças é realidade, mas de 1% do futebol. Poucas pessoas sabem que o Brasil tem 680 times de futebol. Tem jogador que ganha R$ 500 por mês, quando recebe.

Você sofreu com estereótipos que lhe colocaram? Foram vários. No Palmeiras, por exemplo, pegaram o nome de um ansiolítico, Lexotan, e fizeram uma relação com o meu nome. Diziam que eu era muito irregular e dormia em campo. Isso era pesado. Porque eu sabia que era irregular naquele período, mas sabia que não estava dormindo em campo. Era a minha forma de jogar.

O que você mudaria no meio futebolístico? Não gosto de dissociar o futebol da sociedade. Acho que, na sociedade, o que poderia melhorar é o entendimento de que só um ganha. Muitas vezes, você perde e não dá o valor devido a quem ganhou.

Você sabia perder? Eu sempre cumprimentei [os vencedores]. A derrota não acaba com a vida, você tem que reiniciar no dia seguinte. E o mesmo vale para a vitória. Saber ganhar, às vezes, é mais difícil do que saber perder.

Como assim? Você ganha e acha que o mundo acabou, não precisa fazer mais nada. Às vezes, tem um menino com o sonho de virar profissional e consegue muito cedo, aí, quando chega lá, não sabe o que fazer. Para mim, futebol se joga mais com a cabeça do que com os pés.

Qual foi a primeira coisa que você fez quando se aposentou? Fui com a minha família a uma pizzaria e voltei para casa. Nem comi nada, só pedi uma garrafa de vinho. Depois de jogar, não dá fome.

Por que você acha que o brasileiro gosta tanto de futebol, mais que outros esportes? Acho que é pela miscigenação que sempre existiu. Não tem branco, não tem negro, gordo, magro, judeu, muçulmano. Sempre foi muito democrático. Também porque o melhor nem sempre ganha. É parecido com a vida.

Qual foi a coisa mais maluca que um fã já fez para você? A história que mais me chama a atenção foi a de um rapaz na Turquia que perdeu os dois pés em uma mina que explodiu. Uma universidade descobriu uma forma de fazer uma prótese boa, ele só tinha que escolher os pés de qualquer pessoa como molde. E ele escolheu os meus pés. Essa história não é maluca, é fantástica.

Você já fez mais de 400 gols. É melhor fazer gol ou dar aquele drible-arte? O gol é o momento do jogo. Fazer gol é muito difícil.

Sua posição não era de fazer gol… Essa é a minha satisfação. Na minha posição, no Brasil, só Pelé e Zico fizeram mais gols que eu. Eu brinco que, como os dois são extraterrestres, o terráqueo que fez mais gols fui eu.

*Matéria escrita por Amanda Audi e publicada originalmente na edição impressa número 19 do TOPVIEW Journal, dezembro de 2017.

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