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Fernanda Richa: a mulher que pode ser a primeira prefeita de Curitiba

Nesta entrevista, a secretária do Estado da Família e Desenvolvimento Social fala sobre trabalho social, família e a possibilidade de chegar à prefeitura

Foi em um sábado à noite que recebi uma mensagem de WhatsApp de Fernanda Richa, perguntando se eu poderia encontrá-la na segunda-feira seguinte. A vontade de entrevistar a primeira-dama do Paraná e atual Secretária de Estado da Família e Desenvolvimento Social para o TOPVIEW Journal era antiga e a mensagem foi muito bem recebida. Acertados os detalhes, fui recebida no gabinete, no Palácio das Araucárias, por uma mulher sorridente e informal, que retocava as unhas. Se existia algum “gelo” em entrevistar a (possivelmente) mulher mais poderosa do Paraná, ele cessou naquele momento. Em uma conversa de pouco mais de meia hora, Fernanda Richa falou sobre sua paixão pelo trabalho social e pelos netos e não descartou a possibilidade de ser a primeira prefeita da história de Curitiba.

“Se você me pergunta se me arrependo de estar nessa vida, vou dizer que não me arrependo nem um pouco.”

TOPVIEW: Você tem se destacado no trabalho social, primeiro à frente da FAS (Fundação de Ação Social de Curitiba) e, agora, na Secretaria de Estado da Família e Desenvolvimento Social. No que a assistência social pode melhorar?

Fernanda Richa: Comecei na prefeitura em 2004, então, são treze anos de trabalho na área. O que eu vejo é que tudo pode ser melhorado, em todos os sentidos e segmentos. Na assistência, sinto que temos que [proporcionar] qualificação, capacitação para inserção no mercado de trabalho. Essa é a grande porta de saída para o problema de assistência do nosso país: qualificar as pessoas para que elas possam ter empregos, para que possam ser protagonistas das suas vidas, abrirem o seu negócio, enfim, não dependerem do assistencialismo que o governo federal e os governos estaduais vieram fazendo como se fosse uma medida normal. [O assistencialismo] não é emancipatório – muito pelo contrário, mantém as pessoas nesse sistema. Não vejo alegria nenhuma em presidentes que passaram por nosso país citarem que cresceu o Bolsa Família, que aumentaram as famílias contempladas. Eu acho isso muito triste. Bom seria dizer que estamos diminuindo o auxílio a essas família, porque estão emancipadas, porque estão saindo da pobreza e da miséria, porque estão caminhando. Manter as coisas por bolsas e auxílios é meio que uma maneira de controlar um público que está sofrendo. E, na necessidade em que vive, ele se agarra, claro.

TV: Ou seja, a solução passa pela educação?

FR: Passa por tudo. Nós fazemos o Família Paranaense [criado em 2012], que passa por 19 secretarias e empresas estaduais que trabalham em conjunto (Educação, Saúde, Meio Ambiente, Esporte e Lazer, Segurança, Justiça, Habitação…). Se não resolver o problema de toda a família no mesmo momento, a gente não consegue tirá-la da vulnerabilidade. Algumas precisam de medicamento e vacina, outras precisam de qualificação para os pais, outras precisam de habitação, são várias situações.

“[O assistencialismo] não é emancipatório – muito pelo contrário, mantém as pessoas nesse sistema.”

TV: E o seu dia a dia é muito na rua, vendo de perto a situação dessas famílias?

FR: Depende. Tem semanas em que eu fico muito no gabinete. Mas tem semanas que são de visitas fora, em Brasília, em São Paulo. Se dependesse do trabalho do estado, seria 100% dentro do gabinete, mas daí você não sente o que a rua está precisando. O gestor que não colocar o pé na rua, que não sentir o que a população está vivendo, não consegue mensurar a necessidade de mudança ou de adequação nos programas.

TV: Existe alguém que faça um trabalho social e em quem você se inspire?

FR: Eu gostava muito da dona Ruth Cardoso, pois ela tinha como ideal emancipar as pessoas. Ela sempre foi contra todos os tipos de auxílio constante e pensava que, se um dia atuasse nesse setor, seria dessa maneira. Foi no governo Fernando Henrique Cardoso que foi criada a bolsa-auxílio, a bolsa-educação. Mas, para que as famílias recebessem essa ajuda, elas tinham que trazer contrapartidas: as crianças deveriam estar em sala de aula, com assiduidade, vacinadas. A família se comprometia para sair daquela situação de vulnerabilidade e risco. Depois que o Fernando Henrique saiu, houve outros presidentes que passaram a régua e disseram que bastava ser pobre para receber o auxílio. E aí nós começamos com a manutenção da pobreza. Hoje a gente vê famílias e mais famílias que recebem esse auxílio e que têm outro filho, fazem outro filho, só vão ampliando o benefício, porque é muito fácil. Não é um programa que estanque a pobreza. São mais ou menos R$ 86 bilhões entre benefícios continuados e bolsas-auxílio no nosso país. Se metade desse valor fosse gasto em capacitação, em qualificação, em inserção no mercado de trabalho, com certeza o número de famílias em situação de risco, de vulnerabilidade social, não seria tão elevado.

“Não acredito que ser socialite melhore ou piore a vida de uma pessoa. São as atitudes que mudam e que fazem o que ela é.”

TV: E na agenda ocupada de secretária e primeira-dama, como fica a Fernanda avó [são três netos]?

FR: Ah, a Fernanda avó é apaixonada. A gente sempre arranja um momento. Dá tempo de fazer tudo nesta vida. Tem quintas-feiras em que eu vou buscar os gêmeos na escola. Tem sábados e domingos que a gente passa com eles, cuidando, trocando fraldas, dando “mamá” – é a vida em família. Fui uma mãe presente e sou uma avó presente. E no que a Fernanda avó é diferente da Fernanda mãe? Em tudo. É incrível. Sempre fui uma mãe muito companheira, amiga, estive com eles [Marcello, André e Rodrigo] o tempo todo. Mas eu tinha que educar, ser enérgica em certas situações, cobrar em outras; tinha que passar valores éticos, morais, religiosos, formar o caráter dos meus filhos. Como avó, não que eu não forme o caráter, mas são os pais que têm a obrigação de educar. É uma coisa mais carinhosa, mais gostosa, muito mais leve do que a responsabilidade de formar e educar. Essa, eu já fiz a minha parte. Então, meus filhos que façam.

TV: Você tem um lado de eventos, de primeira-dama e também de socialite, de vir de uma família conhecida. Incomoda ser vista dessa forma?

FR: Eu nunca me posicionei como socialite, apesar de ter nascido em uma boa família, graças a Deus [Avelino Vieira, avô de Fernanda, e Tomaz Edison Andrade Vieira, o pai, foram lideranças do setor financeiro nacional]. Eu não renego, não escondo, acho que meu pai trabalhou muito para conquistar o que é dele. Mas (…) não acredito que ser socialite melhore ou piore a vida de uma pessoa. São as atitudes que mudam e que fazem o que ela é.

TV: Você é vaidosa?

FR: Acho que todas nós, meninas, somos um pouquinho vaidosas. Com o tipo de vida que levo, se ficar demais, às vezes atrapalho quem convivo. Se ficar de menos, talvez deprecie quem eu vá receber. Então, procuro estar no meio-termo. Posso ir com esta roupa a um chá, lanche, almoço, missa. E posso, eventualmente, continuar em um jantar informal. Gosto de ir ao salão, pinto o cabelo, faço pé e mão, faço depilação – mulher como todas. Vou ao dentista, faço mamografia, faço meus exames anual e rigorosamente. Me preocupo com a saúde, não como gordura, não posso comer glúten, lactose, cafeína. Desafio qualquer pessoa a dizer que não se cuida quando tem uma oportunidade de fazer diferença. Me cuido primeiro por mim, tenho que estar bem para fazer o que quero, e a coisa de que eu mais gosto é manter a minha família bem e atender as pessoas. Se eu estiver bem, carrego todo mundo para o lado que considero do bem.

TV: Depois de todos estes anos de exposição, você aprendeu a lidar com a opinião pública? Como reage quando escuta alguma crítica ou comentário?

FR: Dizer para você que não machuca… machuca. Machuca quando uma coisa não está correta e é comentada; machuca quando, involuntariamente ou deliberadamente, propagam coisas que não conhecem. Mas, hoje, depois de tanto tempo – estou casada com o Beto há 32 anos, meu sogro já era político –, aprendi a ter uma audição seletiva. Escuto o que quero e sofro com o que acho que devo sofrer. O que não me interessa, eu desligo, aprendi a viver assim. E não levo para casa sofrimento. Essa foi a melhor maneira que encontrei para caminhar. E, se você me pergunta se me arrependo de estar nessa vida, vou dizer que não me arrependo nem um pouco. Acho que tudo o que fiz até hoje foi de coração aberto, com muita determinação, com muito comprometimento. E faria tudo de novo, se assim Deus me permitisse.

“O que ficou na minha vida (…) foi serenidade, paciência, humildade sempre, muito respeito pela opinião do outro e o silêncio.”

TV: Então o maior ensinamento que fi cou foi o de se autoproteger?

FR: Não sei se autoproteger, porque qualquer um faria isso. O que ficou na minha vida ao longo destes anos foi serenidade, paciência, humildade sempre, muito respeito pela opinião do outro e o silêncio. O silêncio vale ouro, é senhor de muitas situações. É melhor ficar quieto do que se posicionar. Porque o dia seguinte mostra e você se poupa até de ter se exposto.

TV: O fato de a Lava Jato estar em Curitiba expôs muito os políticos, que passaram a ser vistos como vilões. Isso tem feito com que você e o governador fiquem mais em casa?

FR: Não. Isso é muito chato. Não tenho nada contra a Lava Jato, muito pelo contrário: acredito que nosso país esteja dando uma lição de moral e de democracia ao mundo, nenhum país faria com tanta determinação quanto o Brasil está fazendo. Mas acho que passou um pouco do limite; banalizou-se um pouco a pessoa “errada”, porque todo mundo é errado, enquanto que a nossa lei diz que todo mundo é correto até que se prove o contrário. Acontece que se prende, que se acaba com a moral de uma pessoa e depois de quatro, cinco meses chega-se à conclusão de que nada houve, que era tudo mentira e é arquivado. E aquela pessoa que sofreu todas essas denúncias, que foi exposta, não tem sequer direito ao mesmo espaço que foi usado contra ela para dizer que foi mentira, que foi arquivado. Ninguém vai ajudá-la a catar as penas. Hoje, se viraram para os políticos, amanhã pode ser para empresários, depois para médicos, depois juízes. Quem está livre? E ninguém pode ou deve viver nessa insegurança porque alguém acha que se está errado. Não estou vendo o lado de ninguém, estou fazendo um comentário geral do que está acontecendo. Agora, se eu e o Beto deixamos de sair de casa por conta disso? Não. A gente continua fazendo as compras de supermercado, indo ao cinema, ao shopping, a gente faz as corridas de rua… Nossa vida não mudou, até porque não devemos e não tememos nada. Continua tudo da mesma forma. Claro que tem um ou outro que grita “fora, Beto Richa”, mas eu acho que isso é normal no momento político que o Brasil está vivendo. Fora isso, nunca recebi nenhum tipo de agressão, nenhum xingamento, nenhuma forma de falta de educação – muito pelo contrário, só recebo carinho.

TV: E sobre o seu futuro, o que podemos esperar? Vai ser candidata à prefeitura de Curitiba? Ou Brasília está no radar?

FR: O meu futuro a Deus pertence. Minha vontade é continuar cuidando dos meus netos, tenho um filho solteiro que mora conosco e quero continuar dando a ele a atenção que dei aos meus filhos. Se o futuro do Beto for caminhar para Brasília, talvez eu caminhe com ele, talvez não, talvez faça metade lá, metade aqui, não sei. Quanto à prefeitura de Curitiba ou qualquer outra coisa, deixo na mão de Deus. Se Ele achar que o meu nome deve ser colocado em alguma situação, se a população de Curitiba ou do Paraná…

TV: Mas o fato de o seu nome ser cogitado para a prefeitura acaba sendo um elogio ao seu trabalho, não?

FR: Eu fico feliz, porque acho que as pessoas reconhecem o trabalho. Mas não tenho pretensão política nenhuma. Eu até, às vezes, brinco quando as pessoas falam “você tem que ser a nossa prefeita”: gente, tem que combinar com o resto da população! A eleição é muito séria, tem que ter muita responsabilidade. Acredito que essas coisas só podem acontecer quando a vontade da grande maioria é essa.

TV: Mas você não descarta, pelo jeito.

FR: Não é que eu não descarte – eu não me vejo. Acho que não será isso. Caminhei sempre com o Beto, sempre estive ao lado dele, acho que a gente faz uma dupla perfeita, tanto no casamento quanto na política. Não penso nisso. Sou filiada ao PSDB já há muitos anos, faço parte do partido, respeito-o, sigo meus líderes partidários. Sei lá. Deixo para o que tiver que acontecer, mas não penso nisso.

*Texto publicado originalmente na edição impressa número 14 do TOPVIEW Journal, outubro de 2017.

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